Vão estragar a festa
Ontem, quinta-feira santa, não sei por quê “cargas d’água”, a televisão apresentou o programa “Emoções Sertanejas”. Cantores e duplas sertanejas consagrados cantaram e nos encantaram com as músicas eternas de Roberto Carlos. Foi um espetáculo grandioso e diferente, porque desta vez, o “Rei” deixou que os melhores cantores interpretassem suas músicas. E as interpretações excederam no virtuosismo, na preciosidade das interpretações. Foi um desfile maravilhoso. Dominguinhos, Elba Ramalho, Martinha, Daniel, Almir Sater, Sérgio Reis, dentre tantos, sem falar nas duplas sertanejas. Ficou-me a nítida impressão de que todo autor de uma arte qualquer: literatura, música, pintura necessita daquele que realmente entenda sua arte e saiba interpretar a mensagem do artista. Como é lindo ouvir uma bela declamação de uma poesia, ou a leitura, com graça e talento, de um bom texto. Foi o que vimos ontem. Algumas letras, por vezes modestas, adquiriam uma leveza, uma sublimidade nunca vista, nas vozes dos talentosos cantores sertanejos daquela noite. Fiquei tão enlevado, lembrando-me da minha juventude, quando fui “dependente” das letras e músicas do Roberto Carlos, que todo o meu ser vibrava e as recordações apareciam em minha mente como num filme. Naquela ocasião, as músicas românticas serviam de lenitivo para os meus primeiros desencantos com a vida. E foi como uma salvação, no meu pior momento, quando o Roberto me apareceu com a música “Jesus Cristo”. - Jesus Cristo, eu estou aqui! Pois é, essa simples frase me soerguia de minhas amarguras. Sabe lá o que é isso: “ Jesus Cristo, eu estou aqui!” Me sentia na palma da mão Dele! Naquela época, no entanto, guardava em segredo essa simpatia pelo RC, pois seria taxado pela minha turma de “cafona”. Felizmente, hoje, na minha idade, tenho o direito de “assumir” a minha cafonice e ninguém reclama. Vejam só como de um simples programa de televisão, surgem reflexões bem pertinentes. Uma, a de que sem intérprete o artista não é ninguém. Desaparece. E a outra é perceber que a repetição “mata” com qualquer dos mais sublimes dos sentimentos. Explico-me: todos sabem que o Roberto Carlos tem no Erasmo Carlos o seu melhor amigo. E não vou nem falar na altíssima competência do Erasmo, autor de praticamente todas as músicas do repertório do RC. Fora de dúvida sua competência. Eis aí o exemplo de que falava há pouco. Erasmo encontrou o seu intérprete: o “Rei” Roberto Carlos. Voltemos ao que eu quero dizer, sem rebuços. Foi tão sublime o programa, tão encantado estava eu, que quase ao fim da audição fantástica, aparecia uma locutora e dizia, em tom de suspense, que o programa estava chegando ao fim. E insinuava a entrada de alguém misterioso!- Será? -falava comigo mesmo. Nessa hora, já apavorado, virava-me para minha mulher e dizia: “vão estragar a festa!, vão estragar a festa!”- Mas por quê vão estragar o programa?- retrucava a mulher! – Você não está sentindo?- Não está sentindo, pelo amor de Deus! Estou vendo a hora em que vai aparecer o Tremendão, e de quebra a Vanderléia! Isto não pode acontecer. – Por que não pode acontecer? -repetia minha mulher! – Não está vendo ?- será a milésima vez que o Roberto vai entrar em choro convulsivo com o amigão dele. -E a Vanderléia, pela milésima vez, vai falar na jovem guarda e nas lindas tardes de domingo. Dirão vocês, amigas e amigos: - você é contra a expressão desses sentimentos?- Não, mil vezes,não! Dou um exemplo muito meu: dos três aos cinco anos, morei numa pequena ilha, no Estado da Bahia. Eu,minha mãe, uma prima dela, chamada Amazonina ,com seus três filhos, também menores, naturalmente todos meus primos. O meu pai e o marido da Amazonina apareciam na ilha aos sábados, pois trabalhavam durante a semana, em Salvador. A ilha, pequenininha e redondinha era constituída apenas de uma casa, uma capela e milhares de caranguejos que transitavam pela ilhota, sem a menor cerimônia. Café da manhã: meia lata de leite condensado. Peixe e caranguejo, nas outras refeições. O que quero dizer: mais ou menos de 05 em 05 anos, depois de adulto, costumava me encontrar com um dos meus primos da ilha, e lá vinha a recordação daquele paraíso. Certa vez: um choque. O mar tinha engolido a ilha, reaparecendo muitos anos depois. Resultado desses encontros: choro convulsivo! Realmente, lavava a minha alma. Era bom! Mas, notem: levava tempo para acumular o nosso choro. Por isso, acho que desta vez a produção do programa acertou. Erasmo, o tremendão, e a nossa querida Vanderléia ficaram de fora, com todo o nosso respeito. Com certeza todos perceberam este fato e hão de concordar comigo. E falo de cátedra, tanto que evito encontrar-me com meus primos anualmente, para não perder essa gostosa emoção de nossa amizade histórica. É o tal negócio, gente: a virtude está no meio-termo.