O DIA EM QUE O MUNDO ACABOU

O mundo já acabou por aqui! Alguém duvida? Fui testemunha ocular dos fatos. E só quem viu pode contar. Pena que devido à hora tardia, ou ao inesperado dos acontecimentos, ninguém pôde registrar. Também, naquele tempo ainda não existiam os celulares que, de olho atento, hoje não deixariam passar nada. Resta saber se algum maluco teria coragem suficiente para ir ver de perto. A verdade é que tudo foi verdade!

Março de 1984, noite de sexta para sábado de carnaval. Quem diria, hein? Qualquer coincidência não é mero acaso! O mundo escolheu o carnaval pra se acabar, comemorando em alto estilo o fim de sua cruel existência. Será que andava cansado de sofrer?Afinal, com tanta desumanidade, desigualdade e injustiça! Sem brincadeira, até o mundo cansa!

O estrondo veio do centro da Terra? Veio do céu? Veio da indústria de laticínios, ou das caldeiras da usina açucareira? Quem era capaz de saber? Emergindo de um sono profundo, após uma noite de folia, quem tinha cabeça pra entender a dimensão de tamanha explosão no meio daquela madrugada fria?

O mais sensato dos cidadãos morava na minha rua. Sendo o único que não tinha ido se acabar no carnaval, portanto em seu juízo perfeito, resolveu acabar com a dúvida cruel daqueles que tentavam se localizar em suas camas e achar explicação para os medonhos estrondos que reverberavam em algum lugar, da rua? Do Estado? Do País? Do Universo? O grito lancinante ecoou cortando a madrugada: “É o fim do munnnnnndo, gente! O fim do mundo acabou de começar!”

Boa! O fim do mundo acabou de começar! Alguém tinha dúvida? Ninguém tinha! Nem eu! Tanto que corri para a janela da frente. E vi que era verdade! Estampidos apavorantes, labaredas que lambiam o espaço com suas imensas línguas de fogo. O céu inteiro, num clarão descomunal, era verde, escarlate, roxo, azul... Alto estilo, espetáculo pra ninguém botar defeito! Também quem pensa que o mundo é pouca coisa, está redondamente enganado. Tinha que ser assim mesmo, não é?

Estranha a reação da vizinhança! Todo mundo aos gritos pela calçada! Sumariamente vestidos em seus trajes mais íntimos, homens, mulheres, crianças, idosos corriam ao encontro do fim do mundo. O certo não seria a direção contrária? É, mas numa hora destas quem tem tempo a perder com detalhes? Iam mesmo de qualquer jeito. Alguns envoltos em lençóis, outros levando travesseiros (será que ainda tinham a ilusão de continuar dormindo em meio ao caos?). E pasmem! Tinha até gente agarrada com a TV novinha comprada no dia anterior (pra ver o carnaval da Sapucaí, será?).

Fiquei sem reação. Preferi esperar os últimos sinais dos tempos debruçada na janela, olhando a massa passar. Fazer o quê? Se tudo estava mesmo perdido... E foi ali mesmo na janela que, depois de eternos e dramáticos minutos, fiquei sabendo que o mundo tinha desistido de se acabar. Pensou melhor. Resolveu dar mais uma chance pra ver se o povo aprendia. O mesmo vizinho que anunciou a catástrofe voltou com o veredicto:

_ Um caminhão de fogos de artifício! Nove mil dúzias de foguetes, com destino a Salvador, na Bahia! Alguém pôs fogo, pode?

Nota: O inventor daquele fim do mundo até hoje não foi encontrado!

MARINA ALVES
Enviado por MARINA ALVES em 02/04/2010
Código do texto: T2172760
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