Reencontrando o desejo
Ela andava meio desiludida com o amor. Como todos sabem, o amor é bom, mas dói. E o que menos faltara em sua última tentativa era dor. Mas longe de querer enumerar as diversas razões que a levaram a uma completa e temporária descrença em relação aos homens, melhor é descobrirmos os motivos que puseram fim ao luto. Naturalmente, o motivo tinha nome: Sérgio. Um nome pequeno e relativamente abundante, do qual ela nem gostava tanto quanto de Guilherme, Gustavo, Augusto, César, Henrique, Pedro, Marcelo, Marco, Rafael, João... (Ha! O João...), mas que a fez bambear e redescobrir um tesouro chamado desejo. Em princípio, o estremecimento vinha do fato de ele ser seu chefe. Não que a autoridade não seja afrodisíaca, mas o que realmente lhe causava tremores era o medo do desconhecido. Ela acabara de mudar de setor. Como nunca é fácil desbravar um terreno, pois ainda que a terra seja plana, sempre existe a possibilidade de um buraco mal tapado ou um pântano escondido e alguns anos de experiência lhe faziam ter a certeza de que a primeira impressão nunca é a que fica e a segunda tem a função de desdobrar as diversas facetas da personalidade dos desconhecidos, preferia reagir a agir. Como tática, se escondia atrás do micro e de sua mesa, na tentativa de passar a imagem de uma pessoa séria, tímida e dedicada. Mas como a vida é feita de ciclos, especialmente nas empresas, Sérgio retornou ao status quo ante e de chefe passou a subordinado. Não se sentido vigiada por ele, relaxou e passou a observá-lo como homem. Num primeiro momento foram seus atributos físicos. Não que ele tivesse corpo de nadador (a tara secreta dela), muito longe disso. Seu 1,90m de altura era mantido a base de muita coca-cola e batata-frita e nenhum exercício, mas seu sorriso, olhar de cobiça e o falos lhe despertavam uma certa curiosidade. Naturalmente, seu desejo era anterior à consciência, revelava-se no olhar certeiro dirigido ao que lhe traria satisfação imediata, mas ela gostava de pensar que não. Então ele começou a se aproximar... Numa primeira impressão, talvez por curiosidade em desbravar as curvas um pouco além de avantajadas dela, depois por uma sincera amizade. Ele logo descobriu que ela compartilhava de seu gosto por um doce de bar, uma geléia mole e colorida – ótima quando gelada – e sempre lhe trazia uma de agrado. Logo começaram a conversar coisas íntimas, pois ela deixara de lado sua timidez. Ele perguntava se ela namorava e contou que estava casado, mas que aproveitara muito a vida antes, além de falar sobre sua química com a ex. Ela dizia que não, que estava dando um tempo, mas que havia namorado muito também e pensava: – Por que é casado?! -. Aos poucos ele revelava não apenas seu lado caçador, mas também seu jeito protetor. Não que fosse impositivo ou tivesse a intenção de controlar os passos dela ou de qualquer pessoa, mas sua história revelava princípios em desuso. Perdera o cargo, pois saíra em defesa de seus companheiros de trabalho na tentativa de impedir os desmandos da diretora autocrata e de seu braço direito. Além do perfil democrático de Sérgio, outras idéias lhe chamavam atenção. Ela sorria quando ele dizia – Se eu fosse mulher, seria uma vagabunda, daria para todos os diretores desse lugar -. Embora ela não tivesse intenção de fazer isso, pois não abriria mão de suas convicções por nada, gostava de pensar que seu companheiro seria um homem capaz de entender os desejos de uma mulher. Sorria mais ainda ao ouvi-lo dizer que sua esposa era alguns anos mais velha (ela era mais nova), que ganhava três vezes mais, mas que ele tinha outras atividades além daquele emprego. Além disso, mantinha-se firme ao lado da esposa, apesar da sua doença. Então ela apenas exclamava: – Pena que é casado! -. Nunca teriam nada, é um fato. Mas a esperança de encontrar um homem semelhante àquele era o que importava.