Judas (EC)

Quem nunca traiu que atire a primeira pedra. Tenho convicção de que todos já traímos em algum momento de nossas histórias. Há traições mais conhecidas, como as dos casais românticos e a que sofreu Jesus através de Judas. Há as traições por omissão contra alguém e também, mais sutis, as traições contra nós mesmos.
 
Nestas últimas incluo aquelas traições em que não respeitamos nossa alma. Mesmo sabendo que determinado comportamento irá nos desagradar, fazemos para agradar o outro. Aqui temos que separar as concessões, de propósito, que fazemos por amor e, às vezes aprendemos a gostar do que tínhamos certeza que detestávamos, daquela traição em que nos violentamos sem sentido. Não que não seja por amor, mas é de todo prejudicial para a alma.
 
Para citar exemplo, sábado passado fui a uma festa de aniversário em um lugar esfumaçado, com música acima dos decibéis recomendados à boa audição, porque não queria desagradar às aniversariantes, uma amiga querida e sua gêmea. Quanto aos cigarros, todos sabem que em ambiente fechado não é para fumar. Mas entre o saber e o não obrigar os outros a sua fumaça há um abismo de incompreensão intransponível por parte de alguns fumantes.  

O ruído da tal parafernália musical se torna uma agressão maior quando, para sermos ouvidos e ouvirmos, temos que falar aos berros duas ou três vezes e insistir para a outra vítima berrar de volta repetidamente. Isto porque era som de som (aparelho). A banda “de verdade” só chegaria depois da meia noite.

Quinze minutos após aterrissar no inferno, abraçar a aniversariante, familiares, amigos e quem mais estivesse rindo com um copo na mão ali por perto, resolvi pedir água mineral com bolinha. Mais alguns eternos minutos e fui pagar a conta, quando, novamente tive que me identificar. Agora não mais com a identidade e toda aquela explicação sobre o meu nome, mas com um cartão de crédito, ou algo parecido, que recebi na escada de entrada. Pela garrafa d’água paguei R$ 14,40. As bolinhas de gás deveriam conter clareador de dentes. Todos os neurônios dançavam o "pancadão" e eu pagaria até mais para me livrar do som das batidas ecoando no cérebro. Depois disto escapei sem ser vista, coisa fácil porque era tudo muito escurinho, e voltei para casa como se demônios me perseguissem com suas moedas tilintando.
 
Imaginem se a isto se aliasse pegar carona, ao final da festa, com amigo ou amiga bêbado e... O quadro daí em diante todos nós somos capazes de pintar com riqueza de detalhes do que já aconteceu com alguém de nossas relações.
 
Traímos nossa alma porque fomos ensinados a agradar ao invés de ser autênticos. Quando na infância alguém fazia um convite que não poderíamos atender, muitas vezes éramos ensinados a mentir. Isto mesmo. Aqueles adultos que haviam dito que não mentíssemos, mandavam dizer que eles ou nós não estaríamos em casa ou teríamos tal e tal compromisso. Era a mentirinha “branca”, para não desagradar. Estamos autorizados a tanto, há até um dia especial para o festival de mentiras. Daí em diante, feito coceira, tão sem razão qualquer das duas atitudes, falhamos com a nossa verdade para não desagradar e nos forçamos a ser o Judas de nossa alma.



Este texto faz parte do Exercício Criativo - Judas.
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meriam lazaro
Enviado por meriam lazaro em 01/04/2010
Reeditado em 18/01/2011
Código do texto: T2171011
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