UM SABONETE AZUL PARA UMA MENINA QUE NÃO LEMBRO O NOME
- Eu te amo! – assim estava escrito no bilhete.
Para ser literal, era: eu te amo ... sem o hífen e o ponto de exclamação, pois com aquela idade eu não tinha estas preocupações ou mesmo, os conhecimentos linguísticos para tal.
Somente isso: eu te amo. Sem assinatura, sem a identificação de quem poderia ter escrito, sem o destinatário, e rabiscado à lápis na metade de uma folha pautada de caderno escolar.
Eu fiz isso nos idos de 1960. Aos 9 anos de idade apaixonei-me sofregamente, por uma menina que morava num prédio antigo perto da casa dos meus pais. O prédio tinha o nome assentado na parede de entrada, com letras individuais em alumínio, e escrito: Edifício LHER. Ninguém sabia a origem deste nome. Alguns diziam que, na verdade, seria Edifício MULHER, porém com o tempo haviam se desprendido as duas primeiras letras da mulher e assim ficou. O nome da menina – filha de um casal de espanhóis que moravam no 2º. andar – esse eu não me recordo mais.
Era uma morena linda, de cabelos negros, e devia ter mais ou menos a minha idade. Não sei dizer ao certo porque, sendo sincero, nós nunca trocamos uma palavra. Eu somente a olhava de longe e, ela correspondeu com alguns escassos olhares para mim. Mas eu a amava – creio até que foi aí que comecei a fazer as minhas primeiras poesias.
Eu não conseguia aproximar-me dela. Seus pais a levavam e traziam da escola e, no restante do tempo ela ficava enfurnada dentro de casa. Apesar que, tímido como eu era com as mulheres, se ficasse perto dela tenho certeza que me tornaria um mudo convicto.
Foi então que tomei a decisão mais platônica na minha vida. Consegui uns trocados com a minha mãe – com o pretexto de comprar alguma guloseima – e fui na venda do seu Amaro, onde comprei um sabonete. Até hoje ainda me esforço para lembrar a marca – era envolto por uma embalagem azul clarinha – e tinha um perfume banal, mas que naquele momento me parecia lavanda francesa.
Escrevi o bilhete escondido atrás do muro da oficina do americano e embrulhei o sabonete com aquela sucinta declaração de amor. Ato contínuo, postei-me em frente ao velho prédio e, com o coração disparado de ansiedade, enterrei o relicário para a minha amada num monte de areia de construção que estava quase ao lado da porta de entrada.
Sei que é fácil, hoje em dia impingir-me a pecha de idiota. Mas, eu juro que acreditava que ela ia desenterrar aquele sabonete, saber que era destinado a ela e, finalmente, que havia sido eu que a galanteava com aquela prova de amor. Juro !
Não tenho a menor idéia de quem achou aquele sabonete e leu o bilhete mas, até hoje eu não me arrependo daquele ato . Creio que foi o: – Eu te amo! - mais puro e verdadeiro que já escrevi para uma mulher.