Delis Ortiz e Zileide Silva
Não sei se quem assiste telejornal já notou o modo enfático, a maneira clara, forte e insofismável de narrar um fato palpitante, não deixando ao ouvinte o menor resquício de dúvida , das apresentadoras de televisão, Delis Ortiz e Zileide Silva. Confesso que quando me deparo com uma delas na televisão, sinto, em princípio, um medo inexplicável. É como se elas me dessem a informação me sacudindo pelos ombros, tal a potência da voz delas, sem falar no olhar penetrante, quase que escaneando meu cérebro, como se quisessem ter a certeza de que captei na íntegra a mensagem, sem permitir a mínima distorção. Não se perde uma palavra, uma sílaba, nem um simples suspiro delas. Fico impressionadíssimo, estou falando sério. Porém, subsiste aquele medo atávico delas. Chego a ficar estático, hipnotizado. Um fato positivo, principalmente, com relação à Zileide Silva, é que não perco realmente uma palavra do que ela diz: que pronúncia clara! Digo isso porque venho notando minha audição diminuir, tendo que constantemente aumentar o volume da televisão. Mas com a Zileide isso não acontece, o que me faz pensar que há muita falsa surdez por aí. Os otorrinos mais prudentes deveriam antes fazer com que seus pacientes passassem pelo teste da nossa Zileide Silva. Antes deste teste, ninguém poderia ser considerado surdo. Afirmo isso com segurança, pois não perco uma palavra dela. E como é agradável você ouvir tudo que lhe falam! Como seria bom se todos falassem como a Zileide! Que pronúncia perfeita! As duas não cometem um erro sequer. E já fiquei sem entender patavina de um entrevistado brasileiro, que mais parecia estar falando inglês! Bem, contado o fato positivo, vamos ao lado negativo, negativo para mim, claro, as apresentadoras não têm nenhuma culpa. Sejamos francos e honestos. Meu medo se acentua mais com a excelente Delis Ortiz, talvez porque ela seja mais enfática, ou melhor, retifico: o olhar é mais penetrante, o que torna aquela minha impressão de “sacudidela dos ombros” um pouco mais forte. Interessante que isto não se dá com os locutores homens. Pode o Cid Moreira aparecer com aquele vozeirão, que nem é comigo. Poderíamos tentar explicações ligadas a sustos constantes na infância, quem sabe, ouvindo daquelas que nos cuidaram “doces” canções infantis de boi tatá, boi da cara preta, mula sem cabeça, “ murucututu de cima do telhado, vem pegar o Betinho que não quer dormir”, muito próprias, não é verdade, para fazer o bebê sonhar com os anjos... Ou mesmo simplesmente uma constituição psicológica mais assustadiça, sei lá. Claro, vou logo avisando: - nada que me invalide.É aquele medinho, lá no fundo, no primeiro impacto, com a figura forte das nossas queridas jornalistas. Pois bem, minhas diletas leitoras e leitores, devo anunciar que resolvi me curar desse medo ancestral. E a possibilidade de cura me veio de uma maneira inesperada. Uma receita caseira, que conheço bem, pode acabar com isso. Lendo antiga crônica de futebol do Nelson Rodrigues, ele nos narra a história do jogador Jaguaré, que morria de infelicidade em Paris, por não poder mais soltar seus palavrões. Não adiantava verter para o francês, seria uma traição para o nosso palavrão. Segundo o Nelson, o Jaguaré teve que retornar ao Brasil e morreu feliz soltando seus palavrões no nosso próprio idioma. Dirão os que estão me lendo agora: - mas o que tem isso a ver com o seu medo da Delis e da Zileide? Direi:- tem tudo a ver. Explico: como num condicionamento pavloviano, desde muito pequeno, acostumei-me a proferir o palavrão “merda”, aos gritos, para aliviar qualquer contrariedade minha, alguma ansiedade, ou um medo indefinido. É verdade que isto me custou algumas surras na infância, mas esse palavrão sempre funcionou para mim, assim como para o Jaguaré resolveram os seus palavrões, na língua pátria, trazendo de volta a sua felicidade. Por isso, confiante, estou ansiosamente aguardando novamente as duas apresentadoras e vou usar o meu remédio infalível, fazendo a minha catarse particular e, imitando o estilista Flaubert, que não podendo mudar os acontecimentos desagradáveis de sua vida, gritava, com boa dicção, imagino eu: “Afinal de contas, MERDA! “