Horizonte Letrado.

Vejo. vez em quando, ao longe, uma planície bela e muito sutil, daquelas que não se pode querer esgotar a imagem com uma simples passada de olhos. Detenho-me nela, presto atenção às nuances que a compõe e fico a contemplá-la; demoro-me, enamoro-me.

O tempo passa, mas não pra mim. Cada segundo é um acréscimo, não uma perda. Sua imagem imprime em mim coisas que ao serem expressas podem não ser de todo fidedignas. Dar conta dessa expriência por meio de narrativas e discursos pomposos é algo impensável. Mas guardá-la apenas para mim e deixá-la escondida de todos é, no mínimo, uma grosseria. Por isso necessito equilibrar-me por entre as duas perspectivas, deixá-la (a imagem) exposta e lançar mão de letras que se colem a ela, que lhe sejam inerentemente significativas.

O horizonte de que falava empresta suas letras para que o texto lhe confira uma maior popularidade, para que muitos sintam aquilo que poucos experienciaram. O verde campestre, os pés campôneos, as mãos de trabalhadores, a força da terra e o toque do sol, todos estes elementos dão, em síntese, algo como que uma face, um semblante de bem-estar, calmaria e renovação. Aos ventos que trazem as boas novas, lancemos sorrisos, não como uma prova de gratidão, mas sim, ates, como uma prova de que lhe ouvimos, de que lhe entendemos.

Passam-se horas e dores e eu continuo a contemplar. Agarro-me às imagens por mim montadas e que precisam de uma união artificial, um tanto arbitrária. Começo escolhendo os termos, encaixando as vírgulas e conjugando os prazeres.

O que obtenho é uma descrição que se pretende muito pouca, já que não se compara coisas de naturezas diferentes. Aliás, usar "natureza" aqui é algo um tanto irônico, pois o natural é o próprio horizonte das experiências ao qual as letras se agarram; elas têm uma origem diferente, surgem por outras razões que talvez possamos conhecer. Penso que no que elas se igualam é em sua finalidade; tanto a natureza, quanto as letras nos presenteiam com sua beleza e graciosidade. Basta saber reconhecer isso nelas.

Agora, depois de já ter lançado inúmeros símbolos que pretendem cristalizar essa experiência, começo a olhar para o alto. A sensação que se apresenta é boa e assustadora, parece que perco meu corpo, meus pensamentos e símbolos neles presentes se fundem com a inicial imagem e formam um todo orgânico e articulado; tenho diante de mim uma mescla de símbolo e natural, símbolo in natura. Aprendo, com isso, que símbolos só são verdadeiros na medida em que são mesclados com o naturalmente belo e esplêndido. Não me serviria de nada criar símbolos e colocá-los lado a lado, de modo que formassem sentenças agradáveis mas inverossímeis. Há que se ter uma imagem que lhe corresponda, uma experiência vívida vivida vívidamente; enfim, há que se ter um horizonte.

Gabriel Dietrich
Enviado por Gabriel Dietrich em 31/03/2010
Código do texto: T2169473