CONVERSA COM O TEMPO

Ontem o tempo me alcançou. Ou eu o alcancei, já nem sei. Sei que sentamos num banco de praça, de uma cidadezinha do interior, cheia de gente simpática, que passavam e me cumprimentavam e me olhavam um tanto incrédulos, talvez imaginando que eu estivesse bêbado, pois, sendo o tempo invisível, parecia eu estar falando sozinho. Sabem aqueles bancos de pedra arredondada, com propaganda do comércio local gravada no marmorite? Pois assim era o banco, colocado estrategicamente debaixo de uma bela árvore sombreira, com raízes expostas e os pardais barulhando em suas folhas. Em nossa frente a Igreja pequena, bonita, silenciosa, tanto quanto o sino lá em sua torre, que só iria badalar as 18 horas, para anunciar o fim do dia e a missa que começaria logo, logo. Nas ruas ao redor, o comércio ativo, gente entrando e saindo das lojas, tagarelando nas calçadas e se indo para seus destinos. A vida correndo alheia ao tempo, bem do jeito de cidade pequena, interiorana e nós – eu e o tempo – ali sentados, olhando a vida correndo e nós confabulando num papo saudoso, entre causos e prosas, falando do passado e aventurando previsões.

Contei para ele de quando havia sido injusto comigo, naquele dia em que havia marcado um encontro com uma garota, paquerada e desejada por tantos no colégio em que estudávamos e que só a mim permitiu um galanteio. Era linda a menina. Bem do meu jeito. Bem o meu número. Pois então, eu havia marcado que nos encontraríamos no sábado, as 4 da tarde, naquela praça do seu bairro. Que lá a gente conversaria; que eu levaria um poema que havia escrito só para ela; que a gente iria beber um refrigerante naquela lanchonete bacana; que até poderíamos degustar um sorvete e passearíamos pela praça, invejado os amigos e as amigas. Contei ao tempo que todos os planos, todas as intenções, todos os sonhos idealizados para aquele encontro tinham sido perdidos, esvaído-se no nada e a culpa era toda sua, somente sua.

É que peguei uma bicicleta emprestada, de um amigo do colégio, toda bonita, umas das mais bonitas do bairro. Claro que iria fazer uma média danada com a Beca. Tomei aquele banho, roubei um perfume do irmão mais velho, caprichei no cabelo, a melhor calça, a melhor camisa, um tênis da hora e lá fui eu. “É hoje”, pensei. E assim que saí, logo duas quadras à frente, furou o pneu da bicicleta. Bom, daí o resto vocês bem podem imaginar. Cheguei atrasado, perdi a garota e ainda paguei mico na segunda. Além do prejuízo com o conserto do pneu.

Então, ele ouviu calado meu relato, minha queixa. E calado ficou. Apenas sorriu muito sorrateiramente e quando ia se afastando, já longe – então gargalhando - disse que o meu “amigo” que havia me emprestado a bicicleta, tinha pego a do seu irmão para ir na mesma praça. E que ele mesmo é que havia posto uma taxinha para ir furando devagar o pneu da sua bicicleta que me emprestou.

Sacanagem!!!!!!!! Mas é bem assim: amigos, amigos, mulher a parte.