Linguajar da moda
Minha recordação é nítida e não tenho a menor dúvida. No meu tempo de rapaz era simplesmente deslumbrante o cara falar emitindo uns hã,hã, hã, para então, sim, formar uma frase. Impressionava muito! Dava um aspecto de cara altamente intelectualizado. Eu babava de ver o meu colega César dando os grunhidos dele: “hã, hã,hã. Isso era o máximo para mim. E nos meus momentos de esnobismo, usei e abusei do hã, hã, hã. E tinha mais, às vezes, já no meio da frase, falando normalmente, dava uma parada de suspense,e soltava mais uns dois hã,hã, para depois prosseguir com pose de artista, só não sublinhando isso tudo com um olhar blasé, porque tinha vergonha. Mas havia quem usava o olhar blasé. Mas para isso tinha que ter muita personalidade. Não posso negar, era por demais charmoso.
- O que você acha do existencialismo? E vinha a resposta: “hã, hã, hã, penso que o existencialismo de Sartre...” Juro às minhas amigas e amigos mais novos que existiu essa moda. Hoje, quem falar assim, é logo interpretado como ignorante, que tem dificuldade de articular um pensamento. Mas, saibam, foi muito chique e eu emiti muitos hãs! Vida que segue, e outros modismos verbais vão surgindo. Um, que durou muito tempo, foi o famoso “inserido no contexto”. Não tinha como você raciocinar qualquer coisa, por mais boba que fosse, sem inserir essa bobagem dentro de um contexto. Confesso que sempre adorei essas modas, principalmente, quando era uma novidade, embora com o tempo se tornasse uma grande chatice. A fase do “a nível de”, foi de “lascar o cano da botina”, como dizem na área rural de Miracema. E até hoje, volta e meia, alguém desavisado ainda solta um “a nível de”, que ainda por cima, segundo os gramáticos, a expressão é errada, pois teria que ser dita “ao nível de”. Hã, hã, não entro nesta discussão gramatical, pois como a minha turma já sabe, sou um fugitivo da gramática. Em crônica de trinta anos atrás, o nosso Távola lembrou-se do “sabe”, que passou a ser usado como vírgula e até como pausa respiratória, não é um espanto? Sabe, ia me esquecendo do “gratificante”. Gozado, esse eu adorei e desandei a falar gratificante indecorosamente. Nunca fiquei tão gratificado. Porém, quando o termo popularizou-se de Norte a Sul do país, fiquei enojado com o tal do gratificante. Hoje, não posso nem ouvir falar que tenho ânsias de vômito. Falo sobre este fenômeno, porque comecei a notar mais um modismo, este bem atual. Quando surgiu, até que achei lindinho e andei me exercitando no espelho: o cara lhe faz uma pergunta, por exemplo, “como vai seu pai?” e vem a resposta: - então, papai está bem! – você foi à praia, ontem? – então, realmente fui à praia. – você vai tirar férias este ano? – então, vou,sim, tirar férias. Vou ao dicionário e vejo que o advérbio pode ser usado como interjeição, para denotar espanto. Exemplo do dicionário: “Então, menino, não vai estudar?” Então? Notaram? É uma interjeição de espanto. Será que agora todo mundo resolveu se espantar com qualquer pergunta e por isso responde espantadamente? Freud diria, psicanaliticamente, que todo mundo está espantado mesmo, pois o mundo anda pelo avesso! Já começo a passar mal quando ouço o “então”. E está uma febre na televisão. Vi uma moça que sapecou o “então” para todas as respostas que ela deu ao entrevistador e foram, no mínimo, umas vinte e tantas respostas. Como dizem que tudo está vivo no universo, só posso interpretar tais fenômenos como uma espécie de evolução do linguajar, associado a uma intrínseca musicalidade, também existente em todo o universo, sabe,que, queiramos ou não, acaba por se inserir neste contexto cultural do século XXI em que vivemos. Hã, hã, então, a nível de especulação, caberia muito bem um seminário sobre este importante assunto. Sabe, não seria realmente uma boa sugestão este seminário? Então, não vamos assumir esta responsabilidade?