PAI E MÃE
Minha filha voltou de Búzios. Tinha me avisado da viagem já próxima a chegar lá. No impacto, imperdoável de minha parte, foi sentir “como meio traição de amigas” e engoli.
Não se deve comer coisas indigestas. Faz um mal!
Mas passou, pois voltou do fim de semana e se divertiu à beça. E o encontro nosso selou a paz e o prazer de estarmos juntas. Cansada, foi dormir na minha cama durante o dia todo, com ar condicionado. Dirigiu ida e volta, precisava de descanso. E eu fui pra sala.
À noite, desperta, e me convida para vermos “A LENDA”. Um filme que evito ver, por que me tomei de antipatia pelo artista. Mas aceitei para ficarmos juntas. Para minha surpresa, um filme ótimo, mas interrompemos no meio que a soneira chegou; demos a “pausa” e continuaremos hoje, em comum acordo. E o sono foi reparador durante a noite, mesmo caindo uma tempestade ruidosa lá fora nos céus da Lapa, Glória e Santa Tereza.
Desperto com um sol brilhante de um novo dia, Lá fora tudo parece que foi lavado.
Animada, me vem à mente e ao coração a lembrança boa do meu Pai e da minha Mãe. É a alegria voltando à alma.
Minha mãe tinha uma clínica de excepcionais IMJ, “Instituto Maria José” de Petrópolis de muito sucesso, tal, que até o prefeito de Petrópolis lhe conferiu cidadania petropolitana, após um belo trabalho de trinta anos. Não vou me deter na Clínica hoje, que prevalece o prazer de lembrar eles dois, no momento bom desse trinta de março. Incrível, que quando penso neles é só com amor e alegria.
Meu pai aposentara e logo minha mãe tomou as rédeas da família, veio para Petrópolis e fundou a sua clínica especializada, que foi crescendo passando de colégio para Clínica, com trezentos pacientes e mais de cem funcionários especializados. Alcançou sucesso e prestígio.
Ela mandava.
Ele fazia os relatórios e dava o suporte intelectual, bem como a sua presença benéfica de amor discreto e fiel.
De vez em quando ocorriam visitas tipo uma inspeção oficial dos órgãos federal ou municipal, pois a clínica tinha convênios que davam bolsas para internação dos pacientes. Mas era tudo normal, vinham, vistoriavam, elogiavam, enquanto ela era a diretora e dona. Eram dias de grande correria, conclamando todos para botar tudo em ordem. Um alvoroço estressante e sempre uma perspectiva de causar boa impressão e mais sucesso conseqüente. Meus irmãos trabalhavam lá também.
O único que ficava calmo era meu pai. Passava quase despercebido, curtindo seu bom humor, Vale lembrar que todos os alunos ou pacientes eram muito queridos por todo mundo do estabelecimento, principalmente pelos familiares da Dona Maria José. Eu mesma, que não trabalhava lá, só visitava, amava muitos meninos que até hoje guardo na lembrança. Todos eram tratados com muito carinho. E eles adoravam meu pai.
A lembrança boa que alimenta meu dia hoje era a atitude do meu pai, superiormente discreto e na dele, filosofando e vivendo sua vidinha.
Enquanto as autoridades fiscais examinavam todas as dependências e tudo o mais, o meu pai ficava varrendo o páteo de terra no centro de todos os prédios da clínica, ou seja, ao alcance do olhar de qualquer um. Misturava-se aos alunos que ficavam à sua volta enquanto varria, e curtia todos os acontecimentos naquela distância acompanhando tudo. Via e assistia com muito humor, uma característica que herdei dele. Também vejo à distância, os acontecimentos do cotidiano com esse olhar que vê muito além das circunstâncias e o prazer, alegria ou crítica é interior, um estado de espírito. Uma sabedoria de se divertir sozinha.
Meu pai abusava desse expediente e, às vezes, fingia-se de retardado enquanto empunhava a vassoura e sabia que estava sendo visto pela mulher, a dona da clínica, e pelos familiares e funcionários.
Pode-se concluir o que passava na cabeça da esposa, dona da clínica, dos filhos e dos funcionários. Ficavam P da vida, claro!
Mas eu não, sempre achei uma delícia as atitudes do meu pai. Divertia muito. Ríamos os dois depois do encerramento da vistoria.
Ele era fantástico. Muito superior a tudo aquilo à sua volta.
Um grande Homem.
Ela, uma grande Mulher.