Castelo de pedras
Sentado, com o computador à minha frente, percebo que é mais fácil o caminho sem as pedras. Sem conhecê-las, sem afastá-las, sem questioná-las: descobrindo apenas o modo mais calmo de viver.
É de se acostumar então que descubro em mim a vocação para a apatia. Ligo o som, me desligo dos vizinhos e suas discussões, seus problemas, suas vidas não me dizem respeito.
Aproveito e me anestesio trocando de canal, mais fácil buscar o riso dos seriados ou dos filmes da sessão da tarde, verdadeiro “vale a pena ver de novo” do cinema ultrapassado.
Quem mesmo quer ouvir os jornais? Há tanto sangue, há tanta sacanagem, se vê tanta injustiça que se faz mais saudável mesmo trocar de canal, fechar os olhos, tampar os ouvidos – ouvir o que convém.
Há uma predisposição pra se acostumar, pra se adaptar. É difícil encontrar combustível pra luta, pra mudança. Em um mundo de desacreditados, um mundo que tão rápido banaliza e esquece as atrocidades da última semana, perdemos inclusive a crença em nós mesmos, que dirá do que achamos nos outros?
Virou clichê questionar “quem sou eu” em sites de relacionamentos – e perquirir: sou protagonista ou platéia de minha história? Usamos apenas 10% de nossos cérebros e, sinceramente, talvez nem 10% da população chegue a usar seus 10%... Será que é por isso que todo ato de pensar se tornou um “pensamento crítico” aos olhos dos outros?
É preciso uma outra atitude, um novo pensar, um constante questionar. Das várias variáveis que observamos em nossos dias, se acostumar é desperdício, é preciso lutar.
Essa sim é a vocação do homem, compromissada com a mudança: não acomodar com o que incomoda. Não se conformar, não abaixar a cabeça, não ceder ao primeiro desafio, à primeira pedra no caminho.
Há de ser pedra no sapato, há de ser a mosca na sopa. Só de sacanagem, é hora de agir diferente. Se não esperam tua presença, apareça; se apenas esperam teu silêncio, grite; se levante, se agite, pergunte!
E não esqueça que você não existe, você coexiste. Não há um Lucas sozinho, preciso de outros para viver. Não cultivo meus alimentos, não faço minhas roupas, não crio minha pasta de dentes, não sei construir TV e não moro isolado na selva, com macacos ou com lobos (exceto com aqueles que são seus próprios lobos).
Portanto, é problema meu também o problema do vizinho, a falta de leite no fim do mês, o dinheiro do ônibus, a água que não chega, a luz que foi cortada, seu nome no SPC, a falta de onde morar, a vontade de não se render.
É observando a injustiça, indagando a opressão, questionando a desigualdade que se constata para intervir – e não para se adaptar. Não é na resignação que nos afirmamos frente às injustiças.
E é preciso lutar, conhecer, se aproximar, questionar - juntar as pedras e... quem sabe com elas não fazer um castelo?