Brevíssima reflexão sobre consciência, liberdade e poesia.

Quando criança me perguntavam o que sempre perguntam às crianças, e eu respondia: "Quero ser tudo, saber tudo". Dá para perceber que fui uma criança perdida.

Outro aviso, antes de prosseguir: não sei ao certo em que categoria se enquadra este texto - classifiquei-o como achei mais coerente - mas é o que está no título, e títulos, dizem os entendidos, são danados de importantes.

Mas é que eu estava em viagem, três horas e meia dentro de um ônibus gelado, um mundo de gente falando ou tossindo, carros e paisagens passando, a tarde grisalha de chuva, idem, a fome aumentando... Eu pensei nas poesias que não vingariam, porque meu enjôo de viagem exclui papel e lápis e porque não possuo o equipamento modernoso capaz de salvar as idéias do errático disco rígido de minha memória.

Aí eu matutei sobre John Kenneth Galbraith, que compara a medida da liberdade de um sujeito com o peso de seus recursos financeiros (isso - especialmente essa relativa verdade - impacta de tal forma em minha vida que o frio aumentou); pensava nele, sujeito mundialmente reconhecido, e lembrava dos pensadores anônimos, justamente os que dispõem de tão parca qualidade de tempo e/ou prazer que pouco sobra ao registro de meros sonhos.

De fato: consciência e liberdade são relativas, e contraditariamente ou não, opcionais.

Três horas e meia, quanto tédio!

E sequer tangenciarei a incongruência de alguns com trezentos pares de sapatos e muitos, muitos sem livros - não é esta a veia deste corpo-texto - mas tente sonhar de barriga vazia. Tente!

Foram pouco mais de duzentos minutos, uma besteirinha de tempo, e não me envergonho do fracasso (creio que o frio contribuiu). Uns que vivem sebastianicamente (também nem sei se existe essa palavra) me combaterão, mas aponto a glória de não ser adepta de martírios: a vida bem poderia ser cor de rosa ou abarcar o arco-íris ou amalgamar todas as infinitas cores do espectro! Não, ratifico, não há qualquer estoicismo em mim, então imagino e persigo um mundo sem desperdício de idéias, poesias ou passeios na tarde... ou na chuva...

Mas, quem sabe assim seja? Quem sabe idéias e poesias só foram adiadas, e apenas precisem de outro dia cinzento ou amarelo?... E talvez porque um Pessoa entendeu tudo valer a pena se alma não é pequena...

E ainda bem que minha memória guarda os sentimentos!

Ou talvez (só talvez) uma criança perdida aprendeu a ser tudo... Só lhe falta acreditar.

Gina Girão
Enviado por Gina Girão em 29/03/2010
Reeditado em 19/07/2012
Código do texto: T2165621
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