A LINGUAGEM DO AMOR
Clarisse acordou aos poucos, enquanto a madrugada emergia da escuridão de inverno que encobria Boston. Abriu a janela. Como uma cobra gigantesca, o rio Charles esparramava-se pela cidade. Aos bandos, estudantes da Universidade de Harvard, passavam com mochilas e violões. Iam apressados pegar os muitos barcos que navegam pelo rio. Passavam alegres, cantando, na certeza de um belo fim de semana. Via-se, também, um poderoso prédio de cúpula branca prateada. Ali, Kennedy com sua brilhante fala, começou sua vida política. Será que estou sonhando? Quando poderia pensar, aquela menina nascida no interior de Minas, de pais sem maiores ambições, ali, deslumbrada, numa cidade que jamais sonhara visitar! Todavia a vida é mesmo assim! Sempre nos pregando surpresas! Ainda bem que, no caso, uma maravilhosa surpresa! Ih! Agora mesmo a dona do apartamento vai bater aqui. Vem, como boa proprietária, dar-nos todas as informações sobre Boston. Estou preocupada; só falo português com muito minerês! Ela! Só fala inglês! Vamos ver o que vai acontecer. Helen Cabot chegou com sua simpatia, uma autêntica americana; velha, gorda e alegre. Sentamos na sala e conversamos muito tempo. Muito tempo mesmo! Ela contou-me toda sua vida. Só tinha um filho, fotógrafo, que morava em Nova Iorque. Sozinha, resolveu alugar o apartamento do filho para temporada. Adorava Boston, onde nasceu e me deu todas as dicas sobre a cidade. Daqui vou ensinar-lhe um atalho para ir ao comércio. Conheço bem os guardas que ficam no Parlamento. Se você passar por dentro, chegará à rua do comércio, com a maior facilidade. Depois de muita conversa e dicas convidou-me para dar uma volta. Felizes da vida fomos passear. – “Primeiro vou comprar carne para o almoço”. No açougue pediu um bife! Fiquei admirada! Mineira jamais compraria um bife! Olha aquela janela ali, mostrou-me, era o apartamento de Kennedy e Jacqueline. Depois levou-me ao portão, pelo qual deveria passar por dentro do Parlamento e me apresentou ao guarda.
Quando cheguei o marido estava preocupado. – “Como? Você não fala inglês!! Como se virou?” Pensando bem, sendo verdadeira, não sei como foi. Repeti para o marido toda a história da Helen, tim-tim por tim-tim, tudo que aconteceu e que me contou. – “Isto não é possível”; falou desconfiado. – “Pura verdade. Abri meu coração, usei toda mímica possível, de vez em quando saía uma palavrinha do inglês que aprendi no colégio. Mas é isso, meu amor, existe uma língua universal: a língua do AMOR. Quando você se dispõe a usá-la, tudo fica simples, claro, e todos se entendem”.