Mudança
O caminhão de mudança encostou e eu fui logo avisando:
- Os livros embalo eu!
Pouco me importa o que acontecerá com as roupas, as louças e os eletrodomésticos. Afinal, trata-se de um problema mecânico bastante simples: pegar de um lugar e levar para outro.
Quanto aos livros, a questão é diferente. Na minha primeira mudança fiquei durante uma semana encontrando os coitadinhos nos lugares mais inusitados: na máquina de lavar, no forno, no freezer. Até mesmo servindo de calço para uma perna de sofá capenga _ e olha que era um exemplar novinho, que eu mal começara a ler.
É indispensável examinar o caminhão cuidadosamente antes que parta.
- Tem certeza de que descarregou tudo?
- Sim, senhora. Aí dentro só tem papel velho e uma meia dúzia de livros que caíram dos caixotes.
- Livros? E vocês não os pegaram?
- Pra que? A senhora já tem tanto livro aí, que mais um menos um não vai fazer diferença.
E, estatelados no chão sujo, meu atlas de anatomia e minha coleção de arte, importada!
Não é muito ruim quando os carregadores enfiam alguns exemplares junto com os sabonetes _ ficam cheirosos por bastante tempo. Chato é quando eles os socam no mesmo caixote com cebolas, pó de café e outras especiarias - por semanas, ao escolher um livro, tenho a sensação de estar indo ao supermercado.
Em outra ocasião, eu embalava cuidadosamente meus cristais, quando dei - me conta de um silêncio incomum.
Onde estavam os carregadores? Procura daqui e dali, afinal encontrei - os sentados na sala, absorvidos na leitura.
Súbita paixão pela literatura? Nada disso. É que haviam descoberto uma Enciclopédia Sexual Ilustrada.
Desta feita eu resolvi fazer na biblioteca a mesma faxina que faço no resto da casa _ sumir com as velharias, cortando o que esteja fora de uso e fora de moda.
Comigo ficaram apenas os clássicos, as obras-primas, os meus preferidos inseparáveis amigos de todas as horas.
Por isso foi tão fácil acomodá-los, pois couberam todos em apenas vinte e cinco caixotes.