PORQUE RASPEI MEU CAVANHAQUE
Itamaury Teles
Já há algum tempo, resolvi fazer uma repaginação facial, deixando brotar à vontade os pelos esbranquiçados no entorno da boca. Em outras palavras, passei a cultivar um vistoso cavanhaque, à moda do Paulo Coelho.
A bem da verdade, não queria imitar o escritor campeão de venda de livros. Queria mesmo era camuflar um pouco a minha gorda papada, porquanto rondei próximo à marca dos 100 quilos de peso corpóreo. Para ser mais exato, cheguei a pesar 96 quilos, distribuídos em um metro e oitenta de altura. Parecia mais um guarda-roupas de casal ambulante.
Mas reações vieram de várias partes. Principalmente de amigas e de irmãs, todas unânimes em afirmar que eu deveria raspar o cavanhaque, pois ficara 10 anos mais velho com aquela barba de bode.
Passei a refletir que em tudo há prós e contras. No caso do cavanhaque, deixou-me dez quilos mais magro e dez anos mais velho... Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come...
No Spa da Aurora, onde almoço, amigas comensais nunca aprovaram o meu cavanhaque. Até pediram, com insistência, para que eu o desbastasse na primeira oportunidade. Ou, no mínimo, o pintasse de preto. Mas eu sempre resisti a esses apelos e o mantive inalterado, mesmo aparentando ar cansado e parecendo mais idoso que meus irmãos mais velhos.
Agora, com 87 quilos – mantidos faz algum tempo –, andei refletindo sobre o assunto, em meu contemplativo balangar de redes. O rosto não está mais redondo feito uma lua cheia e a papada jugular desaparecera. Todavia, algo ainda servia para eu justificar o cavanhaque – a rapidez com que eu fazia a barba, no mínimo uma vez por dia.
Então, o que aconteceu para justificar a eliminação dos pelos faciais? É que, ultimamente, dois fraternos amigos fizeram comentários na imprensa montes-clarense citando-me como se eu tivesse muito mais idade do que tenho. E não eram apenas os 10 anos inicialmente atribuídos ao cavanhaque. A coisa agora era mais grave: deram-me trinta anos a mais, em duas oportunidades.
Primeiro foi o escritor e amigo Dário Cotrim (“mui amigo”, diria o argentino Gardelon, interpretado pelo Jô Soares). Ao comentar o livro recém-lançado do Prof. Juvenal Caldeira, afirmou que ele era da mesma geração dos escritores Wanderlino Arruda, Petrônio Braz e Itamaury Teles. E todos eles rondam os 80 anos...
Por último, o Petrônio Braz, em série de artigos sobre a imprensa local, ao citar-me, disse que eu sou jornalista em Montes Claros desde os anos 40, quando eu nem sequer sonhava em nascer. Só vi à luz em 1954. Aliás, nem a vi. Primeiro porque àquela época as crianças nasciam de olhos fechados e só os abriam depois de sete dias. Segundo porque Porteirinha não tinha luz elétrica naquele tempo e eu nasci às 23h45 do dia 24 de outubro... Quase à meia-noite, em pleno breu, ou à luz mortiça da lamparina a querosene....
Por tudo isso, atribuo a causa da retirada do meu cavanhaque aos comentários dos confrades Dário Cotrim e Petrônio Braz. Sem querer, contribuíram com a minha deliberação sumária. Aparei os pelos com máquina 1, enchi a cara de creme e, com lâmina de barbear nova, zás, o cavanhaque foi pro beleléu...
Não posso dizer, nesta altura do campeonato, que voltei a ter rosto tão liso quanto bubum de neném. Algumas rugas não me deixariam mentir.
Assim passa a glória do mundo ou, “sic transit gloria mundi”, como dizia o Padre Julião Arroyo Gallo, chacoalhando o turíbulo em celebrações litúrgicas, enquanto a fumaça incensada se dissipava perfumando o ar, na pequena matriz de São Joaquim, em Porteirinha.