Epifania
Depois de algumas horas de viagem finalmente chegara ao Aeroporto Internacional John Kennedy. Estava achando tudo muito moderno, muito civilizado. Exatamente o que se espera de um país como os Estados Unidos. Fizera bem ao convencer os acionistas sobre a necessidade de modernizar o frigorífico com novos equipamentos importados. Com sorte e muita negociação, esperava conseguir um bom preço na feira de negócios de que veio participar.
– Senhor, venha conosco, por favor – lhe ordenou um segurança mau encarado do aeroporto, acompanhado por outros dois. Estranhou, mas assentiu em seguir com eles, afinal tudo havia de ser um processo padrão de entrada em países civilizados. Foram para a sede da segurança, onde pediram que colocasse sua bagagem sobre uma mesa e seguisse para uma outra sala menor, onde começaram a fazer perguntas.
A postura do funcionário do aeroporto era dura e mantinha constante contato visual. Começaram com perguntas simples: o que veio fazer no país? Como funciona o negócio da sua empresa? E logo as coisas começaram a ficar estranhas. Qual sua posição sobre o conflito entre Israel e Palestina? O senhor é libanês? Qual sua religião? Não tinha realmente uma posição sobre o conflito no oriente médio. Nunca realmente tinha pensado nisso. Nem visto a si mesmo como libanês. Havia décadas desde que seu avô viera daquele país e mesmo com essa descendência sabia que era brasileiro e filho de brasileiros.
Mas a situação engrossou mesmo quando disse que era espírita. Uma renovada onda de interesse se manifestou no funcionário: o senhor faz parte de uma seita? Quais são as convicções políticas desta seita? E uma torrente de outras perguntas. Lá pelas tantas até mesmo já começava a imaginar-se gritando palavras de ordem e citações de Chico Xavier pelo saguão do aeroporto, com uma bomba amarrada ao peito, só para se vingar. Estava há horas trancado na sala, havia perdido a feira de negócios, estava com fome, sede e calor, porque haviam desligado o ar-condicionado e não lhe ofereceram nada durante todo aquele tempo.
Quando finalmente foi liberado lhe devolveram sua bagagem aberta a faca, a roupa comprada por uma fortuna em Paris e em Milão jogada no chão e marcadas por passos sujos, mas o que lhe causou horror foi o computador. O notebook com todas as apresentações e dados financeiros dos últimos anos estava destruído com dois buracos de bala.
– Vocês atiraram no notebook? – perguntou incrédulo.
– Sim, senhor. O computador estava protegido por senha e não conseguimos acessá-lo, achamos melhor destruí-lo.
– Não lhes ocorreu que vocês poderiam perguntar a senha para mim?
– Não.
– Não?
– Não. Mais alguma pergunta, senhor?
– Sim, onde consigo uma passagem de volta para o Brasil?
– Algum problema, senhor?
– Oh não, imagine, vocês foram muito civilizados. Tão civilizados que subitamente tive uma epifania e decidi me mudar para a selva amazônica imediatamente, para descansar a cabeça.