NA CIDADE DOS BEBUNS

DESTERRO MORAL NA CIDADE DOS “BEBUNS”

Na cidade dos que ingerem bebidas alcoólicas os costumes são quase todos iguais. O cara levanta, sente aquele gosto de urubu morto na boca, lava a cara (quando lava!) e pensa só naquilo. Vasculha a geladeira, as prateleiras - nada; vasculha a casa toda e nada há de bebível! Por fim vai ao porão verificar no canto onde estão as garrafas, mas nenhuma delas contém o que ele precisa. Estão todas elas vazias. Caminha de um lado para outro e a impaciência se torna quase insuportável. Olha para o relógio (se ainda não bebeu o próprio relógio). Já são nove horas. O sol já está alto. Está quase atrasado para o grande gole (para parar com a tremedeira). Sai de “fininho” pensando que ninguém o viu sair. Nem percebe que olhos tristes e ensopados de lágrimas, também tristes, o perseguem todos os dias em sua maratona aos bares daquela cidade de bebuns.

Ele pára no primeiro bar que encontra aberto porque não consegue passar adiante – o ímã do álcool o atrai para dentro. Se achega sorrateiramente ao balcão e pede um “bíter” para acostumar a garganta e abrir o apetite (para iniciar nova bebedeira). Toma o remédio de um só trago e já vai adiantando o martelo para o centro do balcão e pede - ... me dá da branquinha... e atrás daquela branquinha vão 20 ou 30 outras. Quando sai do bar o céu está todo nublado, apesar do sol manso se pondo para produzir um ocaso esplendoroso e uma noite cheia de estrelinhas rindo-se da lua que caminha triste e solitária por um céu muito azul.

Essa cidade é muito grande. Lá mora 85% da população mundial. Eu mesmo morei muitos anos lá. No começo é muito bom de morar nela. De vez em quando os horizontes ficam coloridos... e a gente gosta porque dá uma nova sensação de coragem. Mas, com o correr do tempo, esse colorido torna-se fosco, embaça a vista e, se a gente não se cuidar, pode ficar cego. No centro moram os que levam o status de “bebedores sociais” e os jovens que não bebem – fazem só um porre a cada fim-de-semana sob o olhar benevolente da sociedade e dos próprios pais. Ao redor desse centro moram os que, pomposamente, tomam champanhe, wisque, cerveja, ou outras iguarias nobres. A estes é bom não chamar “bebuns” porque não gostam. E nas periferias? Bem, ali há favelas enormes e muito populosas, que somos nós. os moradores dessa favela tomam somente uma solução de álcool e ácidos vagabundos de diversos matizes, que os donos dos botequins, que vendem o artigo, chamam de “cachaça”. È a bebida consumida pelos pobres, porque é sumamente mais barata que as outras. O ruim é que todos nessa cidade andam com a auto-estima muito baixa. Estes últimos, os da periferia, já nem podem trabalhar ou enfrentar qualquer problema sem tomar dois ou três martelos primeiro, para criar coragem e para parar de tremer. Nos fins de semana os meninos e as garotas – para terem o que falar e mostrarem-se dignos do gênero humano desta era, enchem seus carros, suas casas ou seus acampamentos de cervejas ou outro qualquer tipo de bebida alcoólica, ...e mandam ver! Aos que não gostam de ser chamados de bêbados, porque tomam bebidas nobres e cerveja, fique a honra de poderem encher a cara com essas bebidas e ninguém lhes cobra coisa alguma. São os felizardos da classe média e os abastados da sociedade da cidade dos bebuns. Já os do centro da cidade, quando termina o expediente promovem um verdadeiro congestionamento ao redor dos balcões dos bares de luxo, para dar a sua “bicadinha”.

Sabe-se que a gente venderia os conselhos se houvessem compradores para eles. Mas eu os dou de graça. Colhi muitas mazelas nas ruas da cidade em apreço e, depois, mudei-me para a outra: a dos abstêmios. O conselho é este: “... não façam o que eu fiz”, mas “façam o que eu estou fazendo”. Maiores informações no livro “Alcoolismo – Ataque e Defesa”. Encontrá-lo-ão na Livraria das Faculdades.

Afonso Martini
Enviado por Afonso Martini em 26/03/2010
Reeditado em 26/03/2010
Código do texto: T2160248
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