VIDA DE PEÃO - A PORTA

Os carros brasileiros melhoraram muito de uns tempos para cá. Uns para acompanhar a concorrência cada dia mais veloz e ousada; outros apenas para obedecer uma a legislação que vem evoluindo (devagar) com relação à segurança. Desde pequeno, por exemplo, eu me lembro que eles já vinham com cinto de segurança mas ninguém usava. Não era obrigatório. E no quesito tecnologia , isso não era lá muito observado. Eles não desenvolviam muita velocidade e em quantidade eram poucos. Ainda bem, pois não possuíam muita estabilidade nas curvas nem muita segurança de forma generalizada. Isso já faz um bom tempo.

Dois acidentes que eu vi na infância e não esqueci mais. Nas duas vezes presenciei portas de carros se abrindo em plena curva ou numa virada de esquina e os motoristas despencarem no chão. Cair do carro é mole? Pois é, hoje, não se vê mais gente caindo por ai mas muitos ainda se esquecem de usar o cinto.

Eu trabalhava numa mineradora grande e lá havia daqueles caminhões que transportam mais de 100 toneladas de uma só vez. Para quem não sabe ou nunca viu fica difícil imaginar o tamanho de um "bichão" desses, né? Pois então saibam que só os pneus têm mais de três metros de diâmetro, quase da altura de uma casa. Do chão até o lugar mais alto do caminhão, são mais de seis metros, da altura de um poste de iluminação. Eu trabalhava na manutenção e a empresa começava a implementar um sistema informatizado de controle. Os caminhões tinham portas bem vedadas e o motorista trabalhava com elas bem fechadas para se livrar do intenso ruído que os caminhões faziam, bem como para se livrar da poeira imensa que era gerada na mina dia e noite. Lá dentro ele tinha ar condicionado. Uma dessas portas estragou a fechadura e o operador fez uma gambiarra e trabalhou ainda o dia inteiro. Ao final do expediente solicitou à manutenção o conserto. Foi feita uma ordem de serviço com os dizeres. “Corrigir porta amarrada com arame.” Com o tempo, rindo muito das curiosidades que encontrava nas anotações que eram feitas nas ordens de serviço depois de concluídos , passei a notar o quanto a tecnologia demora para acabar com hábitos arraigados ou , em outras situações, o quanto o homem convive com ela sem deixar de manter sua ligação com as tradições antigas e com as coisas próprias de sua natureza. Duas que ficaram registradas na memória: sobre a porta, o mecânico escreveu:

“Foi corrigido o problema. Trocado o arame velho por um novinho.”

De outra feita o motorista solicitou que se verificasse um ruído anormal atrás da cabine de comando (da boléia). O mecânico colocou:

“Ora, era só um ninho de passarinhos perto do trocador de calor. Como o lugar é bem quentinho eu fiquei com dó de tirar. Pode trabalhar sossegado e não se incomode com o barulho. Quando der filhotes eles saem sozinhos”.

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 26/03/2010
Código do texto: T2159725
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