Texto para um dia de gato.

Alexandre Menezes

Não sabia como ou por onde começar fazer as malas. Queria juntar suas coisas. Queria um lugar. Mas por onde começar? Tudo bastante espalhado. Tantas dúvidas sobre o que faltava. Lembrava apenas que, provavelmente, tratavam-se das combinações sujas de noites passadas. Impuras. Insanas.

As malas não poderiam voltar para casa. Até tentou levá-las. Cansada, alguém que o esperava, deixou recado e os restos dos seus bens na portaria e com a ordem para que fosse barrado logo na chegada. Restava tão pouco para tantas lembranças das comodidades, carinhos sinceros, agrados exagerados, tratos e perfumes importados. Não tinha quase mais nada organizado com antes.

A viola e a tralha bem que poderiam ter sido jogadas num saco ou pela janela. Aprontava tanta coisa. Por ele, se suportava tanta coisa. Não era de todo ruim, mas seus beijos e sussurros sempre surgiam em roucas desafinadas notas por ter cantado em outras freguesias. Trazia sempre consigo o cheiro dos tragos, das fragrâncias baratas e o hálito amargo que, além de trocado na rua, queria misturar ao dela. Deixava, mas sempre voltava e oferecendo afagos.

Não sabia como proceder com as malas, mas sabia de tantos outros casos. Não se condenava e não julgava ninguém. Necessitado de tantos sentimentos, pobre, se acovarda por não entender a liberdade como os outros. Gostar unicamente de alguém é ser fiel e leal? Vivia sujeito aos costumes viciantes e aliciamentos em meio às carícias e alimentos até quando estava satisfeito. Nasceu, viveu, cresceu e amou sempre como a noite. Ele, a noite e a sarjeta.

Difícil, ou melhor, quase impossível não sentir falta de tudo que já se teve um dia, como também é bem complicado organizar tudo que se perdeu com tempo ou por falta de alguém para ajudar cuidar. Quando caminha sem destino, vaga cantando pelas ruas e para lua. Confunde. Não sabem ao certo se chora, se sente fome ou pede carinho.

Nas andanças noturnas, recorda de alguns lugares que passou e de pessoas que sentem saudades e por ele choram . De outras que sempre o recebem a qualquer hora. De tantas que sentem vontade, mas falta a coragem de convidá-lo para entrar. Sabe de tudo isso e, por diversas vezes, provoca os antigos casos ao passear para ser notado, nestes locais, fingindo descompromissado, mas certo de um convite. Sabe que será difícil fazer as malas, mas não sabe até hoje quem são e ou se existem únicos e verdadeiros donos para cada um dos felinos, alfas, para os gatos. Segue esvaziando e enchendo sua mala. Vive e segue, segue e vive. Segue...

Peço humildes desculpas às refências e inspirações:

1- Um pedido de texto feito por Lu Genovez;

2- História de uma gata (Enriquez - Bardotti - Chico Buarque/1977);

3- O Vacilão ( ou não) Letra Zé Roberto - Interprete Zeca Pagodinho.

Alexandre Menezes
Enviado por Alexandre Menezes em 26/03/2010
Código do texto: T2159584
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