O natural
Habituamo-nos às dificuldades a tal ponto que não desenvolvemos uma estrutura mínima para reconhecer e usufruir um momento de tranqüilidade.
Não treinamos nossos olhos para enxergar e identificar as folhas paradas. Nosso cérebro mantém sua visão no lugar onde deviam estar alvoroçadas com o vento e conclui que se lá elas não estão é porque simplesmente não existem, nem olha pra baixo. Nem cogita a possibilidade de estarem descansando ao chão em virtude de uma calmaria, de uma folga dada pelos insistentes ares violentos.
A verdade é que respondemos por um profissionalismo digno de prêmio no que diz respeito aos problemas, mesmo que muitas vezes (ou quase todas) nos sintamos cambaleantes e enfraquecidos. O fato é que somos verdadeiros guerreiros, mas guerreiros viciados na batalha.
Somos despreparados amadores exatamente quando a questão é lidar com o que devia ser mais natural e fácil: ser feliz. Mas a felicidade nos parece distante, atípica, algo assim. Percebem como é assustadoramente contraditório isso?
Mas a culpa é nossa. Concentramos nosso foco tão fortemente nos problemas, em superá-los ou simplesmente enfrentá-los, que deixamos de exercitar a felicidade.
A conseqüência desta constatação é uma angustia (nossa antiga conhecida), mas uma angustia pela certeza de que podemos sim mudar isso, que só depende de nós e não de ninguém e muito menos do universo e, portanto, angustia de urgência, de tempo perdido, de sensação de alguma estupidez não notada. Preeminência de começar a fazer diferente. E AGORA.
Essa angustia cria ainda mais força quando lembramos algo que até mesmo os desavisados gritam aos quatro ventos, algo como a necessidade de se ter fé e a certeza de que já a possuímos dentro de nós, mesmo que camuflada. E também por notarmos a gravidade da abrangência de nossa imperícia por ser insuficiente que ela simplesmente exista em algum lugar.
Ela precisa ser exercitada, precisa da prática, da verdadeira comunhão com a nossa vida. Ela precisa ser integrada a tal ponto, que se misturará aos nossos atos e pensamentos sem que nós percebamos, exatamente como fazemos com nossos medos, preocupações e as próprias angústias. Afinal, somos mestres nisso, não somos? Portanto, utilizemos nosso talento efetivamente com inteligência e façamos esta fé tão misturada à nossa existência, que ela não precisará ser lembrada e que a naturalidade em ser feliz será tão intrínseca ao nosso cotidiano que textos como estes seriam desnecessários, redundantes e dispensáveis. Talvez sejam, para alguns felizardos, mas obviamente ainda não o são pra mim.
Se pararmos pra pensar, tudo isso pode ser meio absurdo e óbvio, mas vejo inafastável relevância em retratar como muitas vezes complicamos o mais simples. E nós nem somos pessoas tão burras. Ou somos? Nem acredito que elas existem, portanto não, não somos. E não importa, o caminho para o sentimento de felicidade pode ser sinuoso e misterioso para quaisquer mentes, privilegiadas ou não. Mas uma coisa é certa, ser inteligente também é mera e simplesmente saber ser feliz!
As folhas nao deixam de existir, só descansam em alguns momentos, permitindo que possamos descansar nossa guarda e olhar para nós mesmos.