Coelhinho de Ostara, lebre da Páscoa ou vice-versa: o que trazes pra mim?
Nada como o sincretismo religioso! Qual a probabilidade de alguém refletir sobre toda a gama de significados da páscoa e no porquê de seus símbolos, enquanto tem o mais popular deles derretendo lentamente em sua boca? É claro que me refiro ao chocolate, não ao coelho! Num momento como esse, quem é que repara em detalhes insignificantes como um coelho macho pondo ovos de chocolate? Afinal, qual é o problema?
Se a resposta que lhe veio a mente foi “todos”, parabéns! Já se você é daqueles que pensou “nenhum” ou “chocolate, onde?” já aviso que o jornal não é comestível — e que cosméticos com aroma de chocolate são enganosos e extremamente perigosos – eu garanto!
Pois bem, o que se comemora na páscoa? A ressurreição de Cristo, certo? Sim, mas não vamos nos restringir. A páscoa, como a origem da palavra sugere, comemora a passagem. Passagem de Cristo para a vida após a morte, passagem dos hebreus pelo mar vermelho sob a liderança de Moisés durante o êxodo do Egito, ou ainda, uma das mais antigas das celebrações, a passagem das estações no equinócio da primavera boreal (que no nosso lado do mundo acontece só em setembro), data esta que varia de um ano para o outro, daí o porquê da páscoa não ter uma data fixa — a páscoa é comemorada no primeiro domingo de lua cheia que procede ao equinócio de março.
A chegada da primavera era tão comemorada por representar consequentemente o final do inverno. Ou seja, era o fim da fome, do frio e o prelúdio da bonança, de uma época de fertilidade e abundância, da esperança de uma nova vida — uma espécie de renascimento. Muitas culturas nórdicas ancestrais atribuíam tais bênçãos a deusa da primavera, a quem chamavam de Ostara ou Eostre (dependendo da origem). Seus símbolos eram lebres e ovos cozidos pintados com runas — ambos associados à fertilidade e renovação, respectivamente. A lebre de Ostara pode ser vista: basta olhar com um pouco de imaginação para as manchas que aparecem na face da lua cheia.
Mas e o Theobroma? É claro que o “alimento dos deuses” não poderia ficar de fora! Theobroma cacau, como foi batizado pelo nosso amigo botânico (zoólogo e médico) Linneu, ou só Theobroma, como chamavam os gregos, nada mais é que o cacau – sua bebida já foi considerada ao longo da história como afrodisíaca, hora sagrada, hora profana, aconselhada, proibida... Tudo graças as suas propriedades estimulantes, seu alto valor nutritivo e sabor peculiar. Hoje sabemos que ele traz muitos benefícios, desde que consumido com moderação (diz a chocólatra), além de ser um presente rico em significado! O chocolate, sob as mais variadas formas, é um símbolo de carinho, amor ou amizade, difundido em diversas culturas.
Mas o que o chocolate tem a ver com a páscoa? Hoje em dia, tudo! Devemos agradecer aos confeiteiros franceses por trocarmos ovos de chocolate embrulhados em papéis atraentes e não ovos cozidos enrolados em cascas de legumes, como faziam os antigos no início da primavera — habito que, no século XVIII, foi oficialmente incorporado pela Igreja como símbolo da Páscoa.
E o que o coelho tem a ver com o chocolate? Bom, reza a lenda que tal associação se deu graças a uma confusão infantil: algumas crianças alemãs que procuravam seus ovos cozidos viram uma lebre passando próxima a eles e... Pronto: até hoje roedores trazem ovos! Lebres ou coelhos, de Páscoa ou de Ostara, desde que sejam de chocolate... Que diferença faz? Quem vai reclamar? Eu, não!
*Crônica publicada no Caderno Mulher Interativa - Jornal Agora - RS
Março - 2010