MISSA DAS SETE

Ele chega sempre adiantado. Senta-se no mesmo lugar. Recém-aposentado do serviço público, ainda mantém certos traços da juventude. Vai à missa todos os dias, para começar bem o dia, diz. Um hábito dos tempos em que a esposa, Maria Alice, ainda era viva. Era ali mesmo que sentavam, no mesmo lugar que ocupa agora. “Encomenda” missa todos os dias por ela. Coitada, foi-se tão cedo...

Discretamente a mulher ajoelha-se ao seu lado. Ele sente sua presença no cheiro de sabonete. Disfarça, olha pra frente. Vê sem enxergar a cruz, o sacrário, as imagens, o lugar do padre... A mulher murmura uma oração que ele tenta decifrar, mas não consegue. Todos os dias assistem à missa, lado a lado. Nunca uma palavra. Ela vem sempre sozinha. Usa um véu (costume antigo) que lhe cobre parcialmente o rosto. Ele a conhece de vista. Sabe que é a viúva do Aristides do serviço de água. Ela também “encomenda” missa pelo finado todos os dias, ele ouve quando anunciam...

Cânticos, orações, a homilia que se alonga. O pensamento quer se concentrar, mas não consegue. O padre diz alguma coisa sobre o perdão e a misericórdia. Ele não sabe bem o que é. O sermão o entedia. Muita coisa sem sentido... Ou será a impaciência pela hora do abraço da paz? Sim, porque é quando ele tem a chance de se virar para ela, sorrir-lhe pegar-lhe a mão e desejar-lhe a paz de Cristo. E ela tão lindamente corresponde! E a mão dela é macia, e a voz é calma, e o olhar é sereno e ela é tudo que ele espera todos os dias...

Amém! A bênção, e vão saindo. Ele segue atrás dela. O salto fino do sapato se prende na borda do banco. Ela só não cai porque ele, cavalheiro que é, a ampara firmemente nos braços. Ela fica vermelha, se desculpa, dobra o véu e põe na bolsinha do braço. Sorri sem jeito. Os dois sem graça. Para quebrar o embaraço ele a convida para um café na confeitaria da esquina. Ela já experimentou? Nunca! É bom, é muito bom! Vamos lá? Vamos, né? Não custa nada...

Saem lado a lado. Ele segura sua mão, os carros são um perigo, hoje em dia, não são? São... Atravessam a rua, mas as mãos continuam dadas... Será que se esqueceram de soltá-las? Pra quê dizer mais? Em algum lugar muito, muito longe, Maria Alice e Aristides, de mãos dadas, também têm um sorriso enigmático... Um sorriso leve, límpido, translúcido que só as almas sabem ter... Assim é a beleza do amor...

MARINA ALVES
Enviado por MARINA ALVES em 25/03/2010
Reeditado em 25/03/2010
Código do texto: T2158073
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