Para Enternecer seu Coração
No céu, armava-se uma violenta tempestade que já se traduzia em alguns pingos, grossos e esparsos. Mariana e a mãe não queriam chegar ao cinema encharcadas, então, apressaram o passo. Porém, ao virarem a esquina, estacaram, diante da cena que se apresentava. Uma enorme cadela cercada de filhotes estava parada em frente a uma casa e atravessava, um a um, seus bebês pela grade, para protegê-los, na varanda coberta, da chuva que se avizinhava. Ela mesma não poderia entrar, mas bastava-lhe sabê-los em segurança. Quando ainda faltavam uns três, a porta da casa se abriu com estrondo, e uma mulher apareceu, com uma vassoura na mão, enxotando os cãezinhos. Ao ver as duas mulheres, meio que se explicou:
- Eles vão sujar tudo aqui!
Em seguida, retornou ao interior da casa e fechou a porta.
A pobre mãezinha ficou atarantada. Reuniu a prole e, sem querer afastar-se muito deles, que ainda não tinham condições de segui-la, corria de um lado a outro da rua, procurando um lugar para protegê-los.
Mãe e filha assistiam a tudo, boquiabertas, sem saber o que fazer para ajuda-los. Não poderiam levá-los para o hotel. Muito menos para o cinema. Foi Mariana quem viu, a um canto, mais ao final da rua, a grande caixa jogada. Ao se aproximarem, viram tratar-se de uma cômoda velha, caindo aos pedaços. Retiraram as gavetas desmanteladas. Escolheram a melhor delas e a viraram de cabeça para baixo, encaixando-a em cima. Arrancaram o fundo de outra e a colocaram embaixo, liberando espaço para a família se acomodar. Com esforço, conseguiram carregá-la até bem próximo da cadela e a colocaram num recuo do muro, numa posição que poderia dar o necessário abrigo, sem atrapalhar o trânsito na calçada.
Pensaram que a cadela entenderia e imediatamente ocuparia o novo lar com sua turminha, mas ela continuava tentando protegê-los da chuva, que agora já caía um pouco mais forte, com o próprio corpo. Tentaram chama-la, mas ela não parecia estar muito acostumada a ser bem tratada por humanos. Encolheu-se ainda mais, enrodilhando-se em volta dos bebês. As duas então resolveram tentar outra técnica. Aproximaram-se, lentamente, sorrindo sempre e falando com ela. Ela primeiro esboçou uma reação de defesa, mostrou os dentes. Mas à medida que as mulheres iam se aproximando, ela levantou-se, abaixou a cabeça e caminhou na direção delas. Os cãezinhos choramingavam, tentando manter-se sob ela.
Mariana fez um carinho naquela cabeçorra e ela abanou o rabo, ainda desconfiada, mas um tantinho mais à vontade. Sem parar de acarinhá-la e falar suavemente com ela, a moça abaixou-se e tocou um dos filhotes. A cadela afastou sua mão, empurrando-a com o focinho. Nova tentativa e ela, novamente, tentou impedi-la. Corajosamente, Mariana não cedeu, forçando-a a recuar, enquanto tocava nele. Finalmente, ela conseguiu laçá-lo com as mãos. A cachorra ficou agitada, mas não esboçou nenhuma reação. Enfim, sempre deixando-o visível para ela, a jovem foi caminhando lentamente até a cômoda velha e o acomodou lá dentro. Fosse um desenho animado e uma lâmpada brilharia sobre a cabeça daquela mãezinha, que finalmente entendeu o propósito daquela esranha tão simpática. Em instantes, estavam as três acomodando os filhotinhos dentro do velho móvel.
Qual não foi a surpresa de mãe e filha, porém, quando, tão logo estavam, finalmente, todos seguros, a cadela simplesmente desabou-se em correria calçada acima, deixando os guris à própria sorte:
- Talvez os rejeite agora, que têm o nosso cheiro... – disse dona Jane, preocupada.
A ninhada chorava, aflita, tentando sair da caixa para segui-la. Felizmente, a frente da velha gaveta, ainda era uma barreira instransponível para eles. Pensavam que, talvez ela estivesse com medo delas e estivesse escondida em algum lugar esperando que fossem embora para poder voltar ao abrigo, mas isso não fazia muito sentido, já que ela não abandonaria os filhotes se não confiasse nas mulheres. Resolveram afastar-se um pouco e esperar por ela, ainda algum tempo. Já estavam encharcadas. O cinema ficaria para quando retornassem a Brasília.
Não demorou. Logo ela reapareceu, carregando consigo dois outros filhotes, bem miudinhos e os colocou na caixa. Cogitaram se ela os havia abandonado antes em algum lugar pelo bem dos demais, por serem tão menores e terem menos chances de sobreviência... Mãe e a filha começaram a ponderar o quanto a sabedoria da natureza pode ser cruel, quando foram interrompidas pela chegada de uma outra cadela adulta. Ela tinha porte médio, e vinha seguida por mais uma pequena ninhada, todos miúdos como os dois que a outra havia trazido. A cachorrona os ajudou a se acomodarem no abrigo. Depois, caminhou até as duas mulheres calmamente, lambeu as mãos delas e retornou para junto dos seus. Sacodindo-se vigorosamente, eliminou o excesso de água dos pelos e entrou, sendo logo cercada pela turminha barulhenta e saudosa. Ainda lançou-lhes um último olhar agradecido, antes de deitar-se, finalmente, entre eles.
*****
Baseado em fatos reais: Mariana enviou e-mail à Proanima contando essa história e solicitando o anúncio da cadela e filhotes.
No céu, armava-se uma violenta tempestade que já se traduzia em alguns pingos, grossos e esparsos. Mariana e a mãe não queriam chegar ao cinema encharcadas, então, apressaram o passo. Porém, ao virarem a esquina, estacaram, diante da cena que se apresentava. Uma enorme cadela cercada de filhotes estava parada em frente a uma casa e atravessava, um a um, seus bebês pela grade, para protegê-los, na varanda coberta, da chuva que se avizinhava. Ela mesma não poderia entrar, mas bastava-lhe sabê-los em segurança. Quando ainda faltavam uns três, a porta da casa se abriu com estrondo, e uma mulher apareceu, com uma vassoura na mão, enxotando os cãezinhos. Ao ver as duas mulheres, meio que se explicou:
- Eles vão sujar tudo aqui!
Em seguida, retornou ao interior da casa e fechou a porta.
A pobre mãezinha ficou atarantada. Reuniu a prole e, sem querer afastar-se muito deles, que ainda não tinham condições de segui-la, corria de um lado a outro da rua, procurando um lugar para protegê-los.
Mãe e filha assistiam a tudo, boquiabertas, sem saber o que fazer para ajuda-los. Não poderiam levá-los para o hotel. Muito menos para o cinema. Foi Mariana quem viu, a um canto, mais ao final da rua, a grande caixa jogada. Ao se aproximarem, viram tratar-se de uma cômoda velha, caindo aos pedaços. Retiraram as gavetas desmanteladas. Escolheram a melhor delas e a viraram de cabeça para baixo, encaixando-a em cima. Arrancaram o fundo de outra e a colocaram embaixo, liberando espaço para a família se acomodar. Com esforço, conseguiram carregá-la até bem próximo da cadela e a colocaram num recuo do muro, numa posição que poderia dar o necessário abrigo, sem atrapalhar o trânsito na calçada.
Pensaram que a cadela entenderia e imediatamente ocuparia o novo lar com sua turminha, mas ela continuava tentando protegê-los da chuva, que agora já caía um pouco mais forte, com o próprio corpo. Tentaram chama-la, mas ela não parecia estar muito acostumada a ser bem tratada por humanos. Encolheu-se ainda mais, enrodilhando-se em volta dos bebês. As duas então resolveram tentar outra técnica. Aproximaram-se, lentamente, sorrindo sempre e falando com ela. Ela primeiro esboçou uma reação de defesa, mostrou os dentes. Mas à medida que as mulheres iam se aproximando, ela levantou-se, abaixou a cabeça e caminhou na direção delas. Os cãezinhos choramingavam, tentando manter-se sob ela.
Mariana fez um carinho naquela cabeçorra e ela abanou o rabo, ainda desconfiada, mas um tantinho mais à vontade. Sem parar de acarinhá-la e falar suavemente com ela, a moça abaixou-se e tocou um dos filhotes. A cadela afastou sua mão, empurrando-a com o focinho. Nova tentativa e ela, novamente, tentou impedi-la. Corajosamente, Mariana não cedeu, forçando-a a recuar, enquanto tocava nele. Finalmente, ela conseguiu laçá-lo com as mãos. A cachorra ficou agitada, mas não esboçou nenhuma reação. Enfim, sempre deixando-o visível para ela, a jovem foi caminhando lentamente até a cômoda velha e o acomodou lá dentro. Fosse um desenho animado e uma lâmpada brilharia sobre a cabeça daquela mãezinha, que finalmente entendeu o propósito daquela esranha tão simpática. Em instantes, estavam as três acomodando os filhotinhos dentro do velho móvel.
Qual não foi a surpresa de mãe e filha, porém, quando, tão logo estavam, finalmente, todos seguros, a cadela simplesmente desabou-se em correria calçada acima, deixando os guris à própria sorte:
- Talvez os rejeite agora, que têm o nosso cheiro... – disse dona Jane, preocupada.
A ninhada chorava, aflita, tentando sair da caixa para segui-la. Felizmente, a frente da velha gaveta, ainda era uma barreira instransponível para eles. Pensavam que, talvez ela estivesse com medo delas e estivesse escondida em algum lugar esperando que fossem embora para poder voltar ao abrigo, mas isso não fazia muito sentido, já que ela não abandonaria os filhotes se não confiasse nas mulheres. Resolveram afastar-se um pouco e esperar por ela, ainda algum tempo. Já estavam encharcadas. O cinema ficaria para quando retornassem a Brasília.
Não demorou. Logo ela reapareceu, carregando consigo dois outros filhotes, bem miudinhos e os colocou na caixa. Cogitaram se ela os havia abandonado antes em algum lugar pelo bem dos demais, por serem tão menores e terem menos chances de sobreviência... Mãe e a filha começaram a ponderar o quanto a sabedoria da natureza pode ser cruel, quando foram interrompidas pela chegada de uma outra cadela adulta. Ela tinha porte médio, e vinha seguida por mais uma pequena ninhada, todos miúdos como os dois que a outra havia trazido. A cachorrona os ajudou a se acomodarem no abrigo. Depois, caminhou até as duas mulheres calmamente, lambeu as mãos delas e retornou para junto dos seus. Sacodindo-se vigorosamente, eliminou o excesso de água dos pelos e entrou, sendo logo cercada pela turminha barulhenta e saudosa. Ainda lançou-lhes um último olhar agradecido, antes de deitar-se, finalmente, entre eles.
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Baseado em fatos reais: Mariana enviou e-mail à Proanima contando essa história e solicitando o anúncio da cadela e filhotes.