Funeral animal no fundo quintal.
Funeral animal no fundo do quintal. (causo de interior)
Aconteceu numa cidade das Gerais do mato dentro, lá pelos idos anos 60, quando a cidade não era provida de transporte coletivo, nem se via tantos carros pelas ruas empoeiradas, ou de calçadas. Os que tinham davam para se contar nas pontas dos dedos. Bem verdade, que não tínhamos tantos quebra-molas nem este ar carregado de monóxidos e outros tantos dióxidos. Naquela época transporte bom, era um belo cavalo ou boa mula, e pela cidade liberdade de estacionamento sem ter que conviver com as multas destes órgãos. Era interessante no largo da matriz aos domingos, se deparar com tantos animais atrelados, exibindo suas belas Selas ou arreios e ouvir o tilintar de suas ferraduras pelas ruas calçadas.
Aquele senhor, daquela rua, tinha vários animais, dado ao seu gosto pelas criaturas. Seus filhos se autodenominavam donos de cada um e assim, se obrigavam ao zelo e tratamento destes animais. O que para eles era mais uma diversão, para as mães na realidade era uma obrigação cobrada todos os dias, para explicar ao marido o que aquelas crianças tinham feito durante o dia, isto é, a tarefa de buscar os animais, tratá-los, lavá-los, etc. e tal. Coisa da educação patriarcal da época. Onde vida de mulher/esposa era cuidar da casa e das crianças. E tinha casa que as crianças tropeçavam nas outras. Conheci umas que tinham 18. Imagine se Dr. Elsimar Coutinho passasse por lá? Briga boa entre ele o padre Lopão.
Mas deixando a vida de “Kelé”, aquele senhor dos animais, tinham uma predileção muito especial, por um de seus cavalos, a quem os meninos não se atreviam a posse, mas que cuidavam com maior empenho. A este nomeado de Almofadinha, não que aquele animal tivesse a plenitude do adjetivo e ou as frescurinhas da palavra, mas porque tinha o garbo no marchar compassado suavidade no transporte de seu condutor, oferecendo certo conforto. Era um cavalo, que se acreditava inteligente, a quem ensinaram subir escadas e obedecer a certos chamados e ações. Todos os vizinhos admiravam do prazer daquele senhor por aquele animal, principalmente quando o arreava/selava com sua mais bela SELA e rédeas retorcidas, com freios de bronze reluzente e adornado por um pelego laranja, só usado aos domingos quando se dirigia para a igreja matriz. Aquele animal parece que sabia de sua importância e quando se punha rua acima aos domingos, deslizava pelas ruas como se estivesse numa passarela, era toda elegância e garbo. No seu terno o senhor parecia uma autoridade.
Porem em certo dia aquele animal apareceu com umas marcas na pele, e estas sangravam, e não se fechavam, com todos os métodos corriqueiros, caseiros de conhecimento popular da época. Lembra-se que, de uma pomada fedorenta de caixa cor amarela de nome Anticocus, de alto poder cicatrizante, fora a mais usada naquela assepsia do animal, tanto que o quintal daquela casa cheirava a tal pomada, tamanho era o desespero daquele senhor, em livrar o animal de tamanho mal. Logo surgiram as informações de que aquilo seria coisa mandada por gente do mal, que não conseguindo atingir o dono, senhor de religiosidade forte, a coisa fora desviada para algo de sua estimação, no caso o cavalo. Sugeriram benzeções, consultas em terreiros, simpatias, e um monte de coisas da crendice local.
Foram meses de sofrimento do animal e daquele senhor com toda sua família. Dividido entre o trabalho e os cuidados ao animal, ali no fundo do quintal debaixo de uma mangueira, que ele improvisara uma espécie de curral. A cada dia mais manchas brotavam e sangravam, mas aquele homem o amava por demais, para optar a trágica decisão de sacrifício. Se bem que na época, não se falava de vigilância sanitária, nem mesmo, tinham os mecanismo avançados de remoção e içamento atuais, que facilitaria a retirada do animal. A vizinhança fazia corrente em orações, para que tivesse fim o sofrer do pobre animal, aceitando que fosse feita a vontade Divina, os mais sincréticos professavam a vinda de um benzedor bruxo lá do lugar chamado Praia, que era bom na coisa. Mas o senhor apenas seguia na sua missão de tentar suavizar e curar o seu estimado animal.
Neste clima, numa manha, todos respiraram aliviados aos constatar da morte do cavalo Almofadinha, pois naquela manha aquele senhor, de posse de seu trabuco, tinha decidido em atirar na cabeça do animal. Noticia rapidamente espalhada pelo bairro. Vinha gente de todos os lados, quando se deparou com a dificuldade, que seria remover o animal. Num relance sem pestanejar o senhor decidiu por enterrá-lo ali mesmo no quintal. Assim se atirou ás ferramentas na abertura de um buraco/cova para enterrar seu animal. Vizinhos, crianças ajudaram na retirada de terra naquele evento, misturado de gente do bem e do mal, foi feito o funeral do animal, que levou consigo seus utensílios de cavalgada. Numa cova funda, sem cruz, sem lapide, sem flores, sem nada.
Tempo depois por cima daquela cova, o senhor plantou uma muda de banana Ouro, (inajá, dedo de moça, banana mosquito e etc.) banana miúda e muito saborosa, adorada por todos que a experimentam. O que se viu foi que rapidamente enraizou e passou a brotar e crescer vertiginosamente, logo dando os primeiros cachos. Frutos colhidos e maduros expostos na grande mesa da cozinha, logo foram comidos e adorados por todos, que não lembravam que aquele lugar estava os restos mortais do Almofadinha.
Hoje o que sabe, é que aquela bananeira nunca se conseguiu erradicá-la, pois os brotos se espalham por toda área próxima e crescem rapidamente com rápida produção dos deliciosos frutos, causando o sentimento de dó em cortar, uma planta abundante frutífera, sempre procurada por vizinhos e familiares visitantes.
Almofadinha?
Ah sim, ninguém nunca pensou em exumação seus restos viraram adubação.
Texto baseado e inspirado na viva lembrança do poeta/cronista recantista e itabirano, Claudionor Couto Pinheiro.
A todos aqueles que por seus animais,se doam, inclusive os humanos.