PAU QUE DÁ EM CHICO DÁ EM FRANCISCO

Para quem estava morando em outro planeta, costuma fugir da frente da televisão na hora dos noticiários ou não tem hábitos de ler jornais ou revistas, eu reproduzo, a seguir, a matéria produzida pela jornalista Denise Zandonadi / dzandonadi@redegazeta.com.br, publicada em A Gazeta de 09/03/2010, às 00h00

OBRAS ESTÃO AMEAÇADAS COM AS MUDANÇAS NOS ROYALTIES

Os prefeitos dos municípios capixabas onde há produção de petróleo, em terra e no mar, e que recebem maior volume de royalties, aguardam com muita ansiedade a votação, prevista para amanhã, da emenda Ibsen (apresentada pelo deputado Ibsen Pinheiro - RS). "Será o fim dos investimentos com recursos próprios. Vamos apenas fazer a folha de pagamento e depender dos repasses do Estado e da União para fazer obras", afirma o prefeito de São Mateus, Amadeu Boroto.

  A redução nos repasses dos royalties, como é feita hoje, ocorrerá com a aprovação da emenda Ibsen que prevê a distribuição desta compensação para todos os 5.560 municípios brasileiros utilizando-se os critérios de repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). [...] Conforme estudo elaborado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), se fosse considerado o repasse feito em 2008, o governo do Espírito Santo deixaria de receber R$ 212 milhões de um total de R$ 337,8 milhões que foram repassados.

Para o secretário de Planejamento de Linhares, Bruno Marianelli, "antes de mais nada, é preciso deixar claro para os parlamentares no Congresso, que a compensação paga a título de royalties está prevista na Constituição federal, no artigo 20. Portanto, esta emenda é inconstitucional”, afirma ele. Marianelli admite, porém, que se ela for aprovada e os royalties passarem a ser divididos entre todos os municípios brasileiros, a prefeitura de Linhares, por exemplo, terá que rever toda a sua programação de obras. "Primeiro, teremos que priorizar a conclusão do que já começou a ser feito. Depois, teremos que definir o que será realizado daqui para a frente", explicou Marianelli.

Como você pode depreender pela leitura do texto acima, o “apocalipse” pode estar próximo para as populações de estados e municípios produtores de petróleo e gás. Dentre eles, estamos nós. Isso mesmo: NÓS e por, pelo menos, quatro vezes!

_Nós, que, espremidos entre Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia, durante décadas, fomos apenas a praia dos mineiros e/ou o “primo pobre” da Região Sudeste.

_Nós, que de 1860 a 1960 tivemos nossa economia baseada na agricultura e somente em 1966 conseguimos ter o Porto de Tubarão para exportar uma riqueza natural que nunca tivemos: o minério de ferro.

_Nós, que só entre 1975 e 1990 pudemos começar a contar com empresas nas áreas de metalurgia, papel e celulose e pelotização de minério de ferro.

_Nós, que há pouco tempo começamos a nos sentir felizes, “iguais a pintos no lixo”, desenvolvendo o nosso Estado com o dinheiro proveniente dos royalties, que nos são devidos, sobretudo, para que possamos atender as demandas originadas por pessoas que se mudam para as nossas cidades e precisam de mais educação, saúde, saneamento básico, pavimentação, segurança, infraestrutura...

Repentinamente, quatro olhos gordos cresceram em nomes de outros tantos. Sob a égide da “ética” e da “moral”, dois representantes do povo, um do Rio Grande do Sul (Ibsen Pinheiro- PMDB) e outro de Minas Gerais (Humberto Souto- PPS) - ambos moradores em estados onde não há petróleo- resolveram defender a ideia de que os royalties devem ser distribuídos rateando-se 40% para a União e os 60% restantes, igualmente divididos entre todos os estados e municípios do Brasil.

Em forma de lei, a proposta foi votada no dia 10 de março de 2010 e apenas 72 deputados federais foram machos o bastante para votar contra algo que frustra os planos e compromissos feitos e assumidos, “contando-se com o ovo na cloaca da galinha”. Os outros 369 não tiveram peito para assumir com seus eleitores que não é nada decente se alterar regras durante o jogo.

De lá pra cá, tem havido manifestações contra essa lei (muito mais orquestradas pelos cariocas do que por nós e eu não quero crer que somos um bando de alienados) e temos lido deboches insinuando que “o máximo que os capixabas têm é uma bela vista para o mar onde há petróleo”, ou que “é melhor a gente calar a boca, porque na marra nós não conseguiremos nada”.

A aprovação definitiva dessa lei ainda é dependente dos votos dos senadores e de o Presidente Lula a sancionar. Eu cá com meus botões, porém, penso que em ano de eleições para presidente, senadores e deputados, ninguém vai querer ir contra os cidadãos dos 5.564 municípios, que se beneficiarão com o novo rateio proposto. Além disso, há quem diga que a tese dos “dois mocinhos” acima se ampara na ética, na moral e na máxima cristã do ”vamos repartir, igualmente, o pão!”, o que não deixa de ser bonito.

Então para sermos cristãos por inteiro, vamos aplicar o ditado popular que diz: “Pau que dá em Chico dá em Francisco” (= a recíproca é verdadeira): se a lei for de fato aprovada, basta a gente entrar na justiça para reivindicar nossos quinhões em cima de tudo quanto é riqueza mineral de todos os estados da nação.

Por mais que amemos as terras natais de Ibsen Pinheiro e de Humberto Souto, acho que devemos começar por elas. Da primeira, queremos, com juros e correção monetária, nossa parte em cima das 3,4 milhões de toneladas de carvão mineral produzidas em solo gaúcho, anualmente. Da segunda, a gente começa as contas há 300 anos, pois este é o período em que nossos vizinhos começaram a lucrar com a exploração e a exportação de minério de ferro para o mundo.

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 25/03/2010
Reeditado em 18/01/2023
Código do texto: T2157591
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.