Um convite irrefutável
O Coronel Hermelino desejava preparar as duas filhas para o casamento. Mal havia desembarcado quando me agarrou pelo braço como se ele estivesse prestes a algum acontecimento certeiro. Impossível esquivar-me. A mesa posta daquele meio-dia esperava bem mais do que uma refeição. Indicava para ele um destino e para mim um susto. Sequer encontrei tempo para recolher referências, dessas que saltam na rua, entre a cachaça e algum gaiato expansivo. Teria que engolir a feijoada em pratos da dinastia Ming. Sem quebrá-los diante da mais pavorosa das visões. Estava sentenciado.
O amor à primeira vista opõe-se a preformação, e sem sombra de dúvida, o Coronel deveria ser partidário da epigênese. Estava na lista daqueles que não acreditavam no espermatozóide como responsável pela futura formação do indivíduo, mas sim o capital. Havia comprado à esposa e ela lhe dera além das gêmeas um túmulo por eclampsia.
Pelo espelho do carro ainda em direção a estância contemplei a carantonha semelhante a esfinge do Barão do Rio Branco na nota antiga de cinco cruzeiros. Careca, longos bigodes e de um brilho abandonado pelos novos valores do tempo. Queria que ele fosse Barão e não Coronel.
Logo o anfitrião oferecerá o lugar de honra à mesa. Neste ponto deveria recusar como o fariseu na parábola do jantar: “pois alguém mais importante pode ter sido convidado...” O humilhado tentaria ser exaltado pelas criaturas feíssimas. Em verdade duas megeras lúbricas cobriam de trevas o ambiente de almoço recoberto pelas toalhas brancas e finas. Que pesadelo horrendo podemos viver senão numa cidade estranha? Que coisa horrível! Duas gêmeas arrepiantes mastigavam e grunhiam, rindo espaçadamente, da descompostura do Coronel diante dos assuntos políticos, dos gestos rudes de ódio, das condenações as traições partidárias.
Meu coração quase explodiu quando a empregada, belíssima germânica da serra, de cabelos cor de ouro, depôs o primeiro prato. Distante ainda, prenhe de medo e supresa, com olhos imantados naquele excitante e raro refúgio momentâneo; pude ouvir o Coronel declarando: Esta é Frida. Décima empregada que temos nesta casa em menos de um mês. Apenas esta criatura sabe fazer, e como ninguém, uma perfeita salada com língua de colibri.
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