TAIOU MEU SANGUE
Miguelzinho da Olga é quem dizia assim, sempre que se aborrecia com algo ou alguém que lhe viesse encher o saco! ... Estava numa boa, tomando sua cervejinha com os amigos e jogando seu truco (“- Truco, vale seis, ladrão de milho! ...”), quando por dá cá aquela palha se encasquetava com um sujeito e pronto. Fim de papo!
“- Aqui, meu camarada! Agora você pegou pesado, sabe? Taiou meu sangue, velho! ... Taiou meu sangue! ...”
Dava um murro na mesa, jogando cartas pra todo lado, chutava o tamborete e adentrava sua casa, deixando a cambada no quintal, sentados à grande mesa debaixo da mangueira, bebericando e firmes no carteado. Era de veneta, dizia a Olga, sua mulher.
Eu olhava aquilo e me lembrava do meu velho pai, Constantino Rêgo, que cultivava um calo no dedinho do pé direito e adotava expressão semelhante, dizendo, ao ser muito contrariado por alguém:-
“- Prezado, agora você pisou no meu calo! ...”
Mas, como o Miguelzinho, a raiva logo passava e meu pai voltava do interior da casa, pra onde se refugiara após o destempero, pra continuar com a prosa, a brincadeira ou com o que estivesse fazendo.
Numa ocasião, um domingo bonito, após a suculenta macarronada que nossa mãe, a saudosa Dona Flaviana, havia preparado, estávamos todos no quintal conversando animadamente. Havia visitas, um casal de tios e os sete filhos, todos chegados de Januária e novatos, portanto, em Belo Horizonte. Meu tio José Olimpio, como meu pai, adorava uma cavaqueira e os filhos mais velhos, já rapazes, também. E o papo rolava frouxo, um caso contado daqui, outro contado acolá e a conversa se estendendo gostosamente.
Foi quando o mano Tininho, o caçula, passou correndo próximo ao grupo, perseguido por dois dos primos menores, Zé Antonio e Suely, pisando forte justo em cima do dedinho do pé direito do Velho Rêgo.
Aí meu pai soltou um grito abafado e falou pro filho caçula, o qual, atônito, aguardava o desenlace da cena:-
“- Tininnnho ... eu conheci um homem que matou o outro por causa dum calo, viu?! ...” Como diria o Miguelzinho da Olga:-
“- Taiou meu sangue, velho! ...”
-o-o-o-o-o-
B.Hte., 23/03/10