ESPECIALIDADES
O Avô do Daumon é o Terêncio, famosíssimo aqui no Recanto tanto quanto o neto que lhe herdou a sapiência e o bom humor. Essa combinação o torna uma companhia imperdível. Eu, pelo menos, adoro! Quer leitura melhor do que aquela que faz a gente pensar, ensina e diverte ao mesmo tempo?
O meu avô primordial era o Adão, aquele mesmo do mal falado jardim do éden. E fez questão que minha família preservasse o seu nome no nosso sobrenome. Muita gente me diz, mas você é José Cláudio Adão, três nomes próprios? Ao que eu respondo que o José e o Cláudio foram resultados de um acordo possível depois de uma disputa ferrenha entre minha mãe e meu pai; e o Adão é herança genética (do gênesis). Mais sagrado que broa de fubá (pelo menos aqui em Minas Gerais). Assim, a linhagem dos Adão foi constituindo uma família não muito numerosa até chegar no meu avô mais recente, o Joaquim Adão, que vai ter um papel importante no meu desenvolvimento psicológico. E só isto, pois todas as outras contas foi meu pai quem pagou.
Menino quando é meio adiantado na escola, já ficam logo querendo que escolha o que vai querer ser depois de grande. E ele é quem me aconselhava nas minhas dificuldades pretéritas. Me via jogando bola e eu me queixando que nunca seria uma craque. Ele só olhava, caladão. Me via tocando violão e me queixando que não seria um grande músico, jamais. E ele não ajudava nem a cantar. Até que me viu cozinhar pela primeira vez e ao provar, não resistiu e lascou a sua sentença, por que dizia que os sábios só dizem pérolas, motivo pelo qual falam tão pouco. Me chamou a um canto e disse:
- Bem, gostoso não tá, não! Mesmo assim, acho melhor ir tentando. É melhor ser ruim em muitas coisas do que ser especialista em uma só. Veja o exemplo desse tal de Freud, (falava do jeitinho que se escreve; ele não pronunciava Fróid). - Quis se especializar na cabeça dos homens e só arranjou confusão. Dizem que sua mulher o despachou de tanto que ele refugava as obrigações do lar. Só pensava naquela massa disforme que compõe a cabeça da maioria dos mortais. E ainda por cima recomendava procurar o eu da gente nos outros. Você, meu neto, é filho de operário, tem que procurar seu eu é na secretaria de segurança e no ministério do trabalho. Assim que formar, já tire logo a identidade e a carteira profissional e vá trabalhar. Isso é que faz um eu de valor.
Eu sei é que de lá pra cá, tentei me especializar em alguma coisa. “Focar”, usando um termo mais focado na moda. Ora, lá na minha terra já teve um sujeito famoso, o Carlos Drummond. Ele, que depois de ser conhecido por demais com a poesia, ficava deprimido de vez em quando com essas coisas, dizendo que “teve gado, teve ouro e teve fazenda e depois virou “apenas” um funcionário público.” Por que eu não hei de achar uma especialidade?