DOIS DEDOS DÁGUA
Admiro a lógica das crianças, dizem coisas não ouvidas nas conversas dos adultos. Quando avisto um conciliábulo dessas pequenas criaturas, aproximo-me furtivo, fico à escuta, maravilhado com seus raciocínios, muito mais do que com seus fedelhos segredos. Nem tudo é brincadeira, aqui e acolá nos revelam coisas seriíssimas quanto ao conteúdo e extraordinárias quanto à forma. – “Quando tiver a idade de vovó, vou morrer de sede; na terra, vai faltar água”. Foi o que uma dessas tenras crianças deduziu, dos pedidos e justificativas para que “não deixem a torneira aberta, não demorem fora do chuveiro nem brinquem com água”. As crianças amam a própria afinidade com a água, enquanto origem da vida, transparência e pureza. E, assim, sentem-se felizes ao retornar ao líquido, semelhante ao do ventre materno. Por isso, alguns russos fazem seus filhos nascerem em piscina, e nossos índios, mergulhando-os no rio, como se fossem peixe.
Domingo passado, no Correio da Paraíba, li que “gelo em Marte é esperança contra falta de água na Terra”. Ainda que os “planetas gasosos Urano, Netuno, Júpiter e Saturno contam com pequenas percentagens de água em sua composição”. Também que os “planetas telúricos ou rochosos Vênus, Terra e Marte” não são secos, “têm água ou qualquer substância líquida”. A Terra possui 70% da sua superfície coberta por água, cuja boa parte pode ser transformada em potável. É tanta água que, sabendo usá-la, não faltará. Quando há seca no cariri ou no sertão, andam-se léguas de distância, carregam-se para casa dois galões ou uma lata na rodilha. Mas, como transportar tanto peso de poços interplanetários? Não, menos sermos retirantes da nossa terra!
Ao saber dessa notícia, a criançada imaginaria o céu poluído de hidráulicas gambiarras. Canos imensos, como naves salvadoras, transportando água marciana aos sedentos terrestres. Como seriam os aquedutos? A água viria gelada, ou com gás? E por que desperdiçar a que nós temos? Perdulários egoístas estragam a natureza, raciocinam que, no tempo do revide, não estarão vivos. E, sim, as crianças, filhos dos seus filhos, beberão água de Marte. Parece o início de tudo. Mas não, seria a escatologia, a consumação do tempo, da história, das cidades, o fim da criação e também das criaturas. Enfim, tudo poderá terminar como começou: sem água e muito calor.
Admiro a lógica das crianças, dizem coisas não ouvidas nas conversas dos adultos. Quando avisto um conciliábulo dessas pequenas criaturas, aproximo-me furtivo, fico à escuta, maravilhado com seus raciocínios, muito mais do que com seus fedelhos segredos. Nem tudo é brincadeira, aqui e acolá nos revelam coisas seriíssimas quanto ao conteúdo e extraordinárias quanto à forma. – “Quando tiver a idade de vovó, vou morrer de sede; na terra, vai faltar água”. Foi o que uma dessas tenras crianças deduziu, dos pedidos e justificativas para que “não deixem a torneira aberta, não demorem fora do chuveiro nem brinquem com água”. As crianças amam a própria afinidade com a água, enquanto origem da vida, transparência e pureza. E, assim, sentem-se felizes ao retornar ao líquido, semelhante ao do ventre materno. Por isso, alguns russos fazem seus filhos nascerem em piscina, e nossos índios, mergulhando-os no rio, como se fossem peixe.
Domingo passado, no Correio da Paraíba, li que “gelo em Marte é esperança contra falta de água na Terra”. Ainda que os “planetas gasosos Urano, Netuno, Júpiter e Saturno contam com pequenas percentagens de água em sua composição”. Também que os “planetas telúricos ou rochosos Vênus, Terra e Marte” não são secos, “têm água ou qualquer substância líquida”. A Terra possui 70% da sua superfície coberta por água, cuja boa parte pode ser transformada em potável. É tanta água que, sabendo usá-la, não faltará. Quando há seca no cariri ou no sertão, andam-se léguas de distância, carregam-se para casa dois galões ou uma lata na rodilha. Mas, como transportar tanto peso de poços interplanetários? Não, menos sermos retirantes da nossa terra!
Ao saber dessa notícia, a criançada imaginaria o céu poluído de hidráulicas gambiarras. Canos imensos, como naves salvadoras, transportando água marciana aos sedentos terrestres. Como seriam os aquedutos? A água viria gelada, ou com gás? E por que desperdiçar a que nós temos? Perdulários egoístas estragam a natureza, raciocinam que, no tempo do revide, não estarão vivos. E, sim, as crianças, filhos dos seus filhos, beberão água de Marte. Parece o início de tudo. Mas não, seria a escatologia, a consumação do tempo, da história, das cidades, o fim da criação e também das criaturas. Enfim, tudo poderá terminar como começou: sem água e muito calor.