Não há amanhã?

Muitos acham que serão poupados pelo tempo, ou seja, que nunca envelhecerão. E se pensam, talvez tenham uma pseudo-certeza de que terão a mesma independência de agora, a mesma auto-suficiência da juventude. Quem sabe? Melhor, até acho que nem se dão ao trabalho de pensar nisso, na velhice. Parece sempre algo que demorará muito a acontecer, então, para estas pessoas, o importante é o agora, o hoje.

Nas diversas etapas da vida o ser humano enfrenta peculiaridades intrínsecas a cada uma e, normalmente, nunca se utiliza de uma para se preparar para outra. Se assim o fizesse, o mundo como conhecemos não o seria desta forma, a sociedade teria um convívio melhor, haveria mais respeito, mais cidadania, mais solidariedade, enfim, seria muito melhor. Se cada um não fizesse com o outro, o que não quer que façam contigo, muito seria evitado.

Certo dia, durante a sesta, estava assistindo televisão, onde passava um noticiário com uma reportagem que me chamou atenção, dizia justamente sobre o descaso social e político para com os idosos. A reportagem foi interessante, abordou o ponto de vista social e empresarial. Eram cenas cotidianas que muitas vezes vemos e, de tão acostumados, não as enxergamos mais. Os idosos não recebem mais a compaixão e solidariedade da sociedade, existem lugares reservados para eles em ônibus e demais transportes coletivos, mas não têm seu direito de acesso respeitado. Os jovens de hoje não são mais educados a prestarem respeito aos idosos. Não são educados de forma que a velhice seja um objetivo a ser conquistado. Na reportagem, o produtor, de forma escondida filma idosos viajando em coletivos lotados de pé, com bengala, enquanto que pessoas mais novas usufruem de seus assentos privativos, sem o menor pudor ou consciência.

Outra cena, um pouco mais chocante, foi a ignorância aos idosos que acenam no ponto de ônibus ao coletivo que se aproxima, sem que este pare e os recolham. Na entrevista, com a identidade preservada, o motorista afirma ter recebido ordem expressa de passar direto quando um idoso acenar pedindo entrada no coletivo. “-Mas por quê?”, perguntou a repórter. “-Porque a empresa disse que estes velhos não dão mais lucro, e ocupam lugares de quem paga”, respondeu o anônimo cumpridor de ordens, possivelmente com uma família a sustentar.

De fato, se o idoso não paga a passagem, porque a lei lhe concede este benefício, alguns podem até achar que o pensamento da empresa está correto. Mas não está. Não existe prejuízo, porque a quantidade de idosos a usufruir deste benefício não é tão grande assim em relação às pessoas que pagam passagem. A maioria dos idosos sequer conseguem sair de casa, pela debilitada saúde, e os que saem, muitas vezes é em busca de cuidados médicos para esta, e o transporte público é essencial nesta tarefa.

Se perguntarmos ao diretor da empresa de ônibus que deu esta ordem, onde está a consciência social da empresa, é perigoso que ele nos responda com outra pergunta: “-O que é isso? Consciência social?”. Estas são as pessoas que certamente não dispensam trinta segundos, ao menos uma vez ao mês, para pensar em sua própria velhice. O lema é “tudo pelo lucro, hoje” e a consciência social que têm é “velho só atrapalha, dá prejuízo”. Um outro passageiro foi questionado pelo produtor, ao ser visto ocupando o assento destinado a um idoso num coletivo: -O senhor é deficiente (porque idoso e gestante não era, estava óbvio)? Ele respondeu, ironicamente: -Sim. O produtor então complementou: -Qual a sua deficiência? -Mental. Respondeu o “cidadão”, sorrindo.

De certa forma, este “cidadão” não estava errado, apesar de ter sido irônico. A sociedade, de uma forma geral – o que é triste, porque em outras épocas isto já foi exceção – está acometida de uma deficiência mental coletiva e crônica. Esta deficiência fez com que certos valores éticos fossem perdidos, de tal forma, que muitos pais não conseguem deixar estes valores para os filhos, nem como legado. Quiçá como herança. Vivemos numa sociedade individualista que se preocupa cada vez mais com o próprio umbigo, de uma forma muito singular, pregando isso em detrimento à consciência de que estamos presos ao mesmo cordão umbilical, a um corpo chamado sociedade.

Existe amanhã? Sinceramente? Não sei. Temos que acreditar que sim. Talvez fazendo a nossa parte seja o caminho para reverter esta trajetória individualista. Mas, e quem não quer fazer a parte que lhe cabe? Que viva o hoje, e que não esteja em meu caminho amanhã.

É isso, consciência é algo que nasce dentro de cada um. Mas bem que pode receber uma ajudazinha externa. Basta que façamos a nossa parte, servindo de exemplo, e não nos conformando com as coisas erradas que vemos diariamente. Talvez assim haja um amanhã. Quando? Oras, amanhã. Hoje não dá mais, e ontem já se foi, só resta mesmo amanhã.

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Fabio Diaz Mendes
Enviado por Fabio Diaz Mendes em 22/03/2010
Reeditado em 16/02/2011
Código do texto: T2151879
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