TROTE UNIVERSITÁRIO: Violência ou interação?

O Brasil estabelece certos costumes que às vezes fica difícil encontrar uma lógica em certas práticas que caem no conceito consuetudinário. O trote universitário é uma delas. Criado com o intuito de interagir estudantes “veteranos” e “calouros” como forma dos primeiros recepcionarem e darem as “boas-vindas” aos segundos. A princípio tratava-se de apenas uma travessura, talvez sua origem mais inocente seja aquela brincadeira de criança ao telefone, mas que hoje também não rende bons frutos, mas deixemos para outra crônica, nosso enfoque é o universitário, por aqueles que já passaram – ou não – da infância. Com o passar do tempo este “evento” foi perdendo sua característica recreativa, e da interação outrora proposta, passou à violência imposta. Mas não é qualquer violência, pois já são incontáveis os casos de mortes e graves lesões decorrentes desta prática de barbárie.

Não se trata mais de simples brincadeiras, são agressões físicas e psicológicas que em nada demonstram aos calouros que eles são bem-vindos à universidade, que o seu esforço no ano anterior será recompensado pela vitória de ingressar na universidade, e que ele será feliz na instituição escolhida para qualificar-se e futuramente desenvolver a profissão tão desejada. Lembro-me que alguns anos antes de entrar na faculdade, eu já tinha medo dos trotes. Medo construído pelo que via na tevê e pelo que uma prima passou quando entrou na faculdade de medicina. E justo medicina, onde pessoas serão formadas para cuidar de outras pessoas. São estas as piores em termos de trote e, talvez pioneiras. Construíram uma fama da qual não deveriam, mas orgulham-se. Lembro-me que pouco tempo depois, soube de uma universitária que relatou o quão horrível foi a experiência que passou no trote. Desacostumada à ingestão de bebida alcoólica, foi obrigada a ingerir uma quantidade jamais imaginada, ou suportada por seu organismo. Sua roupa foi inteiramente rasgada e suja, o rosto pintado, o cabelo repicado – e diziam ter um cabelo bem bonito – e sem contar a humilhação por que passou. Tive minhas estratégias para fugir do trote, mas digo que preferiria não ter passado por isso. A única estratégia aceitável para um estudante universitário é a de estudos para ingressar na universidade, e não de a de fuga.

Que são efetivamente estas “boas-vindas”? O que querem os veteranos provar com isso? São pessoas melhores que as que acabam de ingressar na universidade? Tomaram para si uma autoridade que jamais lhes foi outorgada por alguém. As universidades, mesmo que tardiamente, estão revogando tais “prerrogativas”, e acordaram, por assim dizer, quando começaram a ser responsabilizadas pelas humi-lhações, lesões e mortes ocorridas entre seus recém-chegados alunos. Só a partir daí é que se lembraram que são responsáveis e precisam zelar pela integridade de seus alunos, mesmo que seja contra seus também alunos. Hoje as universidades aconselham, fiscalizam e punem. Tudo bem, nem todas, mas já há um levante contra esta prática, e este vem daquelas as quais jamais deveriam ter se descuidado. A organização começa no próprio quintal.

É isso. Trote, prefiro o do eqüino, pois é mais elegante e mal a ninguém faz. Dos outros, aguardemos que a consciência social e individual no sentido de respeito ao ser humano seja resgatada. O papel da sociedade é evoluir, não involuir, mas o que esperar de pessoas de nível universitário, quando humilham, agridem e subjugam seus pares, seus colegas, quando o que esperamos deles é justamente o contrário, na construção de uma sociedade mais igualitária e respeitosa? Se não aprendem a terem respeito na universidade, onde aprenderão?

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Fabio Diaz Mendes
Enviado por Fabio Diaz Mendes em 22/03/2010
Reeditado em 16/02/2011
Código do texto: T2151851
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