O herói que perdi
Naquele primeiro de maio de 1994, o Brasil inteiro, como tornou-se tradição por muito tempo, se colocava em frente aos televisores num domingo pela manhã para assistir Ayrton Senna em ação.
Senna, homem obstinado, arrojado e extremamente competitivo, trazia a marca de tudo quanto há de positivo em nós arianos; afinal, até no zodíaco estamos em primeiro. Mais do que ninguém, provou que amor pela velocidade não é fascínio pela pressa e que a vitória é sempre uma urgência, mas não é fruto de malsã ansiedade.
Os brasileiros, num processo de catarse coletiva, puderam novamente ver em sua postura e em suas conquistas a consagração redentora do orgulho nacional e do patriotismo. Era extasiante assistir aquele piloto que nunca fez da bandeira verde amarela um pano de fundo para suas glórias, mas a indissociável parceira que ele punha em destaque quando a erguia ao alto ou a tremulava à frente a cada nova conquista.
A nação brasileira, naquela época, chorou comovida a perda de seu grande herói, ao vê-lo tombar diante do risco que faz do automobilismo atividade tão fascinante. Ironia, talvez, tenha sido que não foi uma disputa direta com outro adversário que o tenha levado à morte, mas sua ânsia de não render-se aos obstáculos e contratempos aliada à sua necessidade de perseguir a perfeição.
Por certo que também eu chorei!
Todavia, a fatalidade que tirou Ayrton Senna do Grand Prix da Vida – o mais arriscado dos circuitos – deu-se poucos dias após a perda de meu pai. Eu, então, mal havia assimilado essa tragédia familiar.
Os feitos de meu pai não tiveram projeção mundial, nem se destacaram por serem tão mirabolantes quanto um drama cinematográfico, tais quais os de Senna. Porém, com meu pai foi que aprendi, através do exemplo, as poucas virtudes que trago em mim. A ele devo muito do homem que sou. Por isso, sem desmerecer a figura de ninguém, afirmo com segurança que ele é o único e verdadeiro herói que minha lembrança mais chora.
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Advogado militante em São Paulo