Circos
                e palhaços






         1No caminho do Aeroporto de Salvador, viajando pela orla bela e abandonada da capital baiana, tem um circo. Bastante maltratado, ele parece mais um pardieiro. Ao tê-lo assim, melhor seria desativá-lo e  preservá-lhe a memória.
         
2. Mas ele permanece lá, com sua lona colorida e suja; seu pequeno picadeiro; e sua acanhada arquibancada, que nunca vi lotada.
         Vejo, isso sim, meia dúzia de gatos pingados praticando malabarismo ou pendurados em frágeis trapézios, dizendo aos que por ali transitam: olha, estamos aqui, em que pese a situação do nosso querido circo, que se aproxima da falência.
         Pelo menos é esta a impressão que me fica toda vez que, a caminho do aeroporto, encontro, no meu trajeto, o Circo Picolino, que se tem palhaços, ainda não os vi.
     
3. No dia 27 de março, comemora-se o Dia do Circo. É provável que a data seja lembrada. Mas não posso garantir que se dê ao evento o devido destaque. Isso de certa forma se explica: no Brasil, seus bons circos, aqueles que atraíam multidões, de-sa-pa-re-ce-ram!
        Hoje, para se ver um espetáculo circense de excelente qualidade é preciso aproveitar, por exemplo, o Cirque du Soleil , nas suas meteóricas passagens por alguns estados brasileiros. 
Poucos, entretanto, têm a chance de se abeirarem do seu luxuoso picadeiro ou palco.
        Não é, rigorosamente, um circo para brasileiros da classe média. Frequenta-o quem tem grana.
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. E aqui vai minha homenagem ao circo brasileiro lembrando, com saudade, os circos Garcia, Nerino, Thyani e o Fequete, que, na década de 80, figuravam entre os mais de dois mil circos em atividade.  O circo Garcia ofereceu belíssimos espetáculos durante mais de 74 anos.
         Estive presente em muitas de suas apresentações batendo palmas pras suas dançarinas; vibrando com a coragem dos seus equilibristas; e aplaudindo o talento, a simpatia e a irreverência dos seu palhaços. 
Segundo dados oficiais, no momento, apenas 300 circos estão por aí alegrando a garotada.
         
5. Disse alguém, e com muita felicidade, que "o palhaço é a alma do circo".
         Concordo. Um circo pode oferecer tudo o que a arte circense tem de mais maravilhoso e encantador - domadores, mágico, acrobatas, trapezistas, dançarinas, animais, etc., etc. -, mas se lhe falta bons palhaços, ele perde a graça. 
         
6.Tinha eu pouco mais de 10 anos de idade, quando, com o patrocínio de "Glostora" e "Bromil", acampou na minha cidade, no interior do Ceará, o circo Alegria.
        Seu palhaço - que se chamava...se chamava...não me lembro - logo conquistou a meninada, que nem ligou pro elefante, pro leão e pros macacos, que também faziam a festa no picadeiro forrado por uma lona esverdeada.
       
7. Nas horas vagas, ele, sem máscara e sem pintira, procurava a mercearia do meu pai, a um quarteirão do circo, e mergulhava, solenemente, num copo de cachaça.
        Ficamos amigos. Ele era um sujeito triste. Confessava-se traído pela mulher. E sem poder impedir que lhe caísse uma lágrima futirva, dizia: "No copo e no picadeiro, tento esquecê-la!"
       
8.  Bebia, mas no picadeiro, sua performance era impecável. Ninguém era mais feliz, mais alegre do que ele... Encontro-o neste soneto do padre Antônio Tomás, um dos príncipes da poesia cearense:

         "O Palhaço
          Ontem, viu-se-lhe em casa a esposa morta/ E a filhinha mais nova, tão doente!/ Hoje, o empresário vai bater-lhe à porta,/ Que a platéia o reclama impaciente.
          Ao palco, em breve surge...pouco importa/ O seu pesar àquela estranha gente/ E ao som das ovações que os ares corta,/ Trejeita, canta e ri, nervosamente.
          Aos aplausos da turba, ele trabalha/ Para encontrar no manto em que se embuça/ A cruciante angústia que o
retalha.
          No entanto, a dor cruel mais se lhe agula/ E enquanto o lábio trêmulo gargalha,/ Dentro do peito o coração soluça."  
          
9. Peraí, lembrei-me do nome dele: palhaço Xique-xique.
   Tão palhaço quanto o Piolin, o Carequinha, o Arrelia, senhores absolutos do riso; donos incontestes dos circos...
         
10. No meu caderninho de frases, encontrei esta do Charles Chaplin: "Eu continuo a ser uma coisa só: um PALHAÇO, o que me coloca em nível mais alto do que o de qualquer político."
          Nunca digamos que há políticos palhaços. Se estará ofedendo os profissionais do riso, da alegria,  que sobrevivem nos circos que ainda existem por aí. Entendo que assim também pensa o distinto público.
          
            

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 21/03/2010
Reeditado em 10/12/2020
Código do texto: T2150777
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