ALMA LUSITÂNIA
A MINHA ALMA LUSITANA
Nelson Marzullo Tangerini
Escrever é fogo que arde sem se ver. Quando escrevo, um fogo camoniano me queima por dentro. “Além das palavras é uma além-mar, não é um além-túmulo.” Escrevi este poemeto após reler, de enfiada, O eu profundo e os outros eus, de Pessoa, e Os Lusíadas, de Camões.
Luís Vaz de Camões está tão presente em nossas vidas, poetas e soldados da Língua Portuguesa, que virou muso dos modernos Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Fernando Pessoa, Alexandre O´Neill, entre tantos outros.
Ainda ontem falava com minha esposa pelo msn sobre um sem número de poesias que poderiam sair da palavra Saudade, que, na minha opinião poderia ser escrita com L: saldade. Porque a saudade é amarga, é salgada, é de difícil digestão. Mas o sal da palavra saudade é que dá sal à vida. Dá sal à poesia. Onde há saudade há esperança. Onde há saudade há poesias e fados safados. E nós, de sangue lusitano, sempre esperamos por algo ou por alguém que partiu e não voltou. Por D. Sebastião esperamos há séculos.
Quero para mim o espírito desta frase de Fernando Pessoa: “Criar é preciso; viver não é preciso”.
“Minha pátria é a língua portuguesa”, escreveu Pessoa. Minha pátria é a terra de Camões, Padre Vieira, Pessoa, Florbela, Eça, O´Neill, Bocage, Gregório, Cláudio, Sophia, Drummond, Bandeira, Alberto, Bilac, Rosa, Clarice, Luiz Leitão, Nestor Tangerini.
Amo o mar de palavras que desbravamos, quando amamos e escrevemos. Doloroso e rude idioma. “O amor é fogo que arde sem se ver”. Ele nos tira do sério e nos atira para a folha em branco. Escrever é sempre um desafio.
Ainda ontem, com saudade da amada, tentava escrever alguma poesia, algo que falasse da primeira vez em que nos encontramos; e nos vimos e sorrimos um para o outro – como se disséssemos que esperávamos um pelo outro. E trocamos olhares, palavras, e-mails, telefones. Pensei em algo que falasse de quando sua história entrelaçou-se à minha. Mas em mim ainda ecoa a voz do poeta itabirano: “não faças versos sobre acontecimentos!”.
“Eu também já fui poeta. / Bastava olhar para mulher, / pensava logo nas estrelas / e outros substantivos celestes. / Mas eram tantas, o céu tamanho, / minha poesia perturbou-se”, escreveu Drummond. Aconteceu comigo; um dia me vi em estado de perturbação, após ler Fernando Pessoa:
“Não gosto de mim / quando estou apaixonado / não gosto de mim / quando troco a poética / pela emoção. / Gosto de mim / quando estou único livre sóbrio sólido na solidão. / A grande poesia / está diante de mim / quando, pela minha lente / avisto o outro mundo. / Gosto de mim assim, / não como assim / como estou agora, / preso a este eu / que não vai embora”.
“Hoje não deslizo mais não”. Hoje não sonho mais não. Hoje não sinto saudade mais não. Hoje não me apaixono mais não. Hoje sou o frio cronista – às vezes tentando transformar notícias [textos não-literários] em textos literários. Hoje sou o metódico professor de Língua Portuguesa, Produção de texto e Literatura do Colégio Estadual Antônio Hauaiss. Mas a poesia vive a rondar a porta de minha casa, de minha sala de aula.
Hoje não me emociono mais não. Hoje não escrevo mais cartas de amor, ridículas, mais não. Mentira. “O poeta é um fingidor”. Ainda sou poeta e finjo tão completamente o amor que deveras sinto – por Cristina – ; e ele brilha nos meus olhos e no meu coração quando, pelo celular, ela comigo fala.
Afinal, só os ridículos nunca sentiram saudade – e escreveram cartas de amor, ridículas, às suas amadas – em português coloquial ou culto.
Nelson Marzullo Tangerini, 55 anos, é escritor, jornalista, cronista, memorialista, poeta, compositor, fotógrafo e professor de Língua Portuguesa e Literatura. É membro do Clube dos Escritores Piracicaba [ clube.escritores@uol.com.br ], onde ocupa a Cadeira 073, Nestor Tangerini, e da ABI, Associação Brasileira de Imprensa.
nmtangerini@gmail.com, nmtangerini@yahoo.com.br
http://narzullo-tangerini.blogspot.com/
e
http://cristinadeandradefotografa.blogspot.com/
A FOTO É DE CRISTINA DE ANDRADE / 2010.