SIRENE

Ele era um moço criado num cortiço de frente a uma das fábricas no Rio de Janeiro na época que se escrevia farmácia com "ph". Apesar de tudo cresceu nobre nas afeições. Da janela de seu casebre apaixonou-se por uma jovem operária que diariamente entrava e saia da fábrica ao som de uma sirene. A pele dela era da cor da Lua, e a dele da cor da noite. Embora Lua e noite vivam juntas no céu, para ele, na terra e na sociedade daqueles anos, fazer par com ela era um sonho impossível. Seu breve e real prazer estava em ouvir o som da sirene da fábrica. Ao sinal para sair, sua amada aparecia mais deslumbrante que ao toque que a chamou para entrar. Chegou o dia que a fábrica fechou. A sirene calou-se e aquela que incendiava seu coração ele não viu mais. Para não esquecê-la e manter vivo o fogo da paixão, não teve sossego enquanto não se tornou um motorista de ambulância. Assim viveu seus dias embalado pelo canto de uma sirene.

Para mim e para muitos que trabalham entre os muros de uma fábrica como a jovem da estória, ainda é o som da sirene que nos chama pra dentro ou convida-nos a sair. Na sua rotina, ela nos avisa a hora da refeição, do descanso, de ir pra casa e voltar ao trabalho. Enfim, diariamente ao seu som reorganizo a vida, até que um dia, ao som de uma sirene celestial, vez por todas tudo será reordenado em transbordante justiça e paz.

Muitos ao ouvir a sirene da fábrica, talvez não se sintam tão provocados como o rapaz do nosso conto. Entretanto, pra mim, ela é muito distinta e marcante. Não tem como ignorar. Escondida aos meus olhos, mas escancarada aos ouvidos, as vezes ela chora melancólica. Por vezes soa como espada - comprida e chata. No fundo, acho que ela não muda sua canção. Sinto que é o que está dentro de mim que me faz ouvi-la em escalas e timbres mutantes como vento. Percebo isso quanto estou motivado ou ansioso, pois ao seu som faço uma prece: “Bendito aquele que te despertou”. E Fred Flintstone na pedreira canta: “Yee-yabba-dabba-do-oo-oo”!