Amanheci outono
Amanheci outono
Hoje amanheci outono, quase cedo, levantei lentamente, fui andando até a janela, a chuva miudinha tornava a paisagem de rotina mais romântica. Amanheceu outono, mas não haviam ainda folhas no chão, e sei que daqui a pouco o sol vai estragar esta linda cena de minha janela, e o dia se tornará quente novamente.O verão é óbvio demais para ser tão lindo e é insistente, custa a deixar o outono surgir, não que esta seja minha estação preferida, não, eu gosto do inverno e acho o outono igual ao "quase", da suposta poesia do Veríssimo que aliás é de Sarah Westphal, o outono é tudo pela metade, rs, gosto mesmo é da extrema nudez do inverno, alí está para nada ser maquiado ou contestado, é frio e pronto, a gente gosta ou não, não tem a loucura do verão que mascara tudo, o inverno é romance puro. Mas outono é quase inverno...isso eu acho bom.
Decidi ficar de camisola, e quem quiser que reclame, eu queria também ainda ter pantufas de pele para andar pela casa, aquelas que não são sex, mas lembra a minha mãe, quando eu chegava molhada da chuva e com frio, ela fazia massagens com alcool em meus pés, eu não sabia que era tão bom, agora sei.
Andei até a cozinha e fiz o café, deixei o aroma andar pela casa, e peguei uma xícara bem fininha e me servi de um pouco de café, voltei para perto da janela e fiquei tomando café, sentido o aroma invadir o ambiente e escutando o silêncio da casa. Mas lá fora, porque era cedo, os pássaros cantavam sem parar, reunidos no café matinal deles, pareciam estar em volta da mesa, contando as novidades.
Pensei em quanto tempo cairiam as folhas sêcas, eu acho lindo, para desespero do gari, se pudesse não deixava varrer as de minha calçada, minha rua tem muitas árvores então fica um lindo tapete de outono, gosto de acompanhar o rodopiar delas ao vento, e ouvir o barulhinho que fazem.
Decidi que iria fazer amor, ou seja, cozinhar, é o que acho que é, meter a mão na massa, sem medo de ser feliz, é um grande ato de amor, cozinhar, não fazer comida, mas cozinhar para família, amigos ou para nós.Decidi fazer uma coisa que não fazia a muito tempo: pão caseiro.Nossa, o cheirinho do café com o de pão caseiro...é tudo!
Fiz a massa e deixei descansar, enquanto isso fui acabar de ler um livro que estava economizando, é que tenho pena , pois é tão bom, fiquei esticando o fim, agora vai virar filme:"Comer, Rezar, Amar".Três coisas fundamentais em nossas vidas.
Acabado o livro, como sempre fico cheia de saudadde dos personagens, então venho para cá, escrever estas bobagens para vcs, ou como digo, falar comigo, rs...E isso que se faz quando se escreve, até recomendo aos meus pacientes e amigos.
Não entendo como algumas mulheres se sentem humilhadas cozinhando, e como alguns homens não dão valor a uma boa mulher que é capaz de fazer "aquele" ensopadinho de legumes.Eu acho maravilhoso, um ato de amor, alimentar o próximo, um ato político, onde se faz muitas escolhas e se comprova ao vivo e a cores a economia do país e uma função fundamenal da espécie que é mantê-la, além de um ato de arte criar ou reproduzir algo bonito e saboroso. Então há algo de errado? Além disso é democrático, todo mundo é capaz de cozinhar, claro que talento nem todos podem ter, mas está ao alcance de todos.
Quando eu ficava doente minha mãe fazia bolo de chocolate, acho que isso
é uma das coisas que explicam eu ser chocólatra, este cheiro ficou em minha memória afetiva.Segundo meus filhos, ninguem faz biscoitos de chocolate como eu, e eu quero acreditar que é verdade, porque assim este cheiro ficará na memória afetiva deles.
Cozinhar e arrumar uma bela mesa, é dar um abraço caloroso de mãe gorda e peituda. Tem coisa mais gostosa que um abraço?Eu acho que nem beijo é tão bom.
Em minha família muita gente cozinha bem, tanto mulheres quanto homens, minha avó paterna está em minha lembrança por seu aroma e sabor, como ela cozinhava! Mas claro, tem sempre quem não veja a grandiosidade do ato e prefira comprar pronto, gente moderna sabe? Sem tempo...
Algumas vezes na minha vida me peguei pensando como eu era abençoada por gostar de cozinhar, e agradeci a Deus, porque isso salvou a "pátria", muitas vezes aqui em casa...Se cozinho bem ou mal, é outra coisa, é gosto, mas eu me sinto muito importante pilotando fogão, o que causaria horror as feministas de minha profissão.Cozinho desde os 10 anos.
Não gosto de cozinhar quando estou triste porque acredito que tudo passa para a comida, acredito piamente nisso, mas quando estou tensa, é melhor que psicanálise.
Bom, o pão estava assado finalmente e eu comecei a colocar a mesa, todos estavam dormindo, ai fiz a mágica...abri a porta dos quartos e deixei o cheiro entrar...um por um foi surgindo de cara amassada, e perguntando se eu estava bem, porque era cedo demais para eu estar de pé e com a mesa posta, rs...
Mas não precisei responder, logo se sentaram na mesa e começaram a se servir, a manteiga escorria pelo pão quentinho e todo mundo fazia hummmmmmmmmm...
Uma linguagem universal.
Mais um dia com pão à mesa, obrigada Senhor.
Augusta Melo
LDA 9.610