Preconceito social: uma involução humana.

O Brasil é um país democrático, pelo menos esta foi a finalidade da reunião dos parlamentares na última Assembléia Constituinte, onde, ao promulgarem a nossa atual constituição, em 1988, justificaram a referida reunião para “instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores fraternos de uma sociedade fraterna…etc.”. Essas foram as principais garantias preconizadas e objetivadas no preâmbulo da nossa Constituição de 1988, chamada de “Constituição Cidadã”, onde no Art. 3º diz: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:”, em seu inciso IV complementa: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”. Está aí, nossa Carta Magna estabelece como princípio e objetivo fundamental a criação de um Estado fraterno, igualitário, com respeito à dignidade humana.

O dicionário Aurélio define “fraterno” como sendo aquilo próprio ou relativo a irmãos; afetuoso, fraternal. Então, pode-se concluir que a finalidade foi a criação de um Estado onde a sociedade vivesse com amor e respeito inerentes aos irmãos, mas que tipo de irmãos? Parece-me, do ponto de vista da natureza humana, um objetivo utópico, pois, se os primeiros irmãos do mundo, Abel e Caim, tiveram sua relação “fraternal” interrompida pela ira, inveja, insatisfação e outros sentimentos negativos inerentes à pessoa, resultando na morte de Abel por Caim. Ora, os primeiros irmãos da história tiveram divergências, onde um tirou a vida do outro. Assim, o que se pode esperar de irmãos não consangüíneos, ligados apenas pela mãe pátria?

Do mesmo dicionário extrai-se o conceito de “pre-conceito” que pode ser um conceito formado de forma antecipada sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos; ou, julgamento antecipado sem levar em conta fatos que o conteste; ou, superstição crendice; ou, ainda, e finalmente, fazendo alusão ao sentido objetivado ao título desta reflexão, preconceito pode ser suspeita, intolerância, ódio irracional ou aversão a outras raças, credos, religiões, etc.. Exatamente sobre este preconceito é que eu gostaria de tecer alguns comentários, ao preconceito racial, eivado de um ódio irracional (não concordo que o ódio possa ser racional, mas…), uma aversão a outras raças, credos, religiões, opiniões, opções, entre outras singularidades e liberdades humanas.

O que se vê cotidianamente, mesmo que sob o manto das atitudes comportamentais do “politicamente correto”, são várias agressões à liberdade preconizada na Constituição, resultantes de discriminação às pessoas que não fazem parte de um padrão social pré-estabelecido ou que são de raça diferente, credo, opção sexual, entre outras. A sociedade impõe regras de conduta, diz o que é ou não aceitável, o que é ou não correto. Mas esse “dizer” é equivocado, pois, sem levar em consideração o poder constituinte ou o poder outorgado aos nossos representantes para elaboração das leis que atendam aos nossos anseios, diferente disso, quero me referir aos padrões de conduta impostos pela sociedade. Max Weber ( 1882-1920), sociólogo alemão, estabeleceu seu estudo sobre a sociedade através do estudo individual de cada pessoa na sociedade, onde segundo sua teoria a Ação Social de cada indivíduo era responsável pela formação da sociedade. Emile Durkeim (1858-1917), sociólogo francês, pautou seu estudo sobre a sociedade através do Fato Social, onde, segundo sua teoria a sociedade imperava sobre o indivíduo, constituindo-o ou modificando-o. De fato, num primeiro momento, as duas teorias sobre a sociedade podem até parecer antagônicas, mas, ao meu ver elas se completam. Se submetermos as duas teorias à dialética de Sócrates (470-399 a.C), filósofo grego, onde uma é a tese outra a antítese, teremos uma síntese.

O movimento dialético consiste em três etapas distintas e complementares, que podem ser resumidas da seguinte maneira: a formulação de uma tese (como ponto de partida); o inevitável encontro dessa tese com elementos contraditórios à mesma, formando, assim, a antítese; e, enfim, a convergência de idéias que funciona, temporariamente, como um denominador comum (entre ambas). Tal aparente consenso e acomodação de idéias é o momento da síntese – entre a tese e a antítese, que, por sua vez, gerará uma nova tese que repetirá “ad infinitum” (eternamente) o movimento acima descrito. Resumidamente, esta é a dinâmica da contradição, contradição esta que, genericamente, pode ser considerada como o motor interno do movimento dialético.

Então, submetendo as teorias de Weber e Durkheim à dialética de Sócrates concluo a seguinte síntese: A sociedade (lato sensu) é formada pelas ações sociais individuais de pessoas formadoras de subgrupos, onde a maioria das pessoas ou dos grupos impõe à minoria os padrões de condutas sociais aceitáveis e reprováveis que foram pré-estabelecidas pela maioria. Assim, como sempre foi desde o início da civilização só se é possível mudar algum padrão se o pólo for invertido, ou seja, se a minoria das pessoas ou subgrupos sociais conseguir se tornar a maioria.

Um exemplo disso, no Brasil, se tomarmos o fator religioso, temos que grandes feriados nacionais são estabelecidos com base na religião católica, mas no Brasil há uma grande diversidade religiosa, contudo, independentemente da religião todos são obrigados a aceitar como feriado o dia 12 de outubro, dia de Nossa Senhora Aparecida, mas será que as demais religiões são crentes em Nossa Senhora Aparecida? Lógico que não. Neste caso, na sociedade brasileira há a predominância da maioria, de um subgrupo social religioso que impôs à maioria alguns padrões de conduta.

Mas um dos princípios constitucionais é a liberdade do culto religioso, da crença e sua prática, para que haja harmonia, pois pode-se até conseguir a maioria, mas nunca a hegemonia da sociedade em todos os assuntos e padrões de conduta. É inerente ao ser humano a diferença e isso é salutar, é importante que não sejamos todos iguais, que não tenhamos todos os mesmos hábitos, até mesmo para a evolução, pois, não teríamos nos desenvolvido se não tivéssemos a capacidade de sermos diferentes um dos outros, mas principalmente se não tivéssemos lutado para impor o respeito às diferenças individuais.

Portanto, PRECONCEITO no sentido literal acima transcrito, é nocivo e caracteriza uma involução humana, viver bem, viver em harmonia social é aprender a conviver com as diferenças humanas e respeitá-las, desde que não estejam causando prejuízos a outras pessoas, mas discriminar alguém por sua crença religiosa, raça, cor, etnia, sexo, opção sexual, classe social, ideologia etc…é caminhar para trás, abrir mão de grandes conquistas sociais. Não existiria a dialética se toda tese fosse simplesmente aceita e não fosse contestada por uma antítese, para formar uma síntese, e assim tornando-se novamente uma tese, a ser contestada, para formar novamente uma síntese e assim por diante. Se não fosse a dialética, talvez ainda estivéssemos acreditando que o mundo era plano e Galileu não teria sofrido tanto, não teríamos chegado à lua, não teríamos nada do progresso que temos hoje.

É isso, ser diferente no limite do não prejuízo alheio é salutar e necessário, por isso a diferença deve ser respeitada e não devemos cultivar qualquer forma de PRECONCEITO, para quem sabe um dia o objetivo constitucional e o desejo mundial e do nosso saudoso John Lennon (“Imagine all the people living life in peace…”), deixe de ser uma utopia para se tornar uma realidade.

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Fabio Diaz Mendes
Enviado por Fabio Diaz Mendes em 21/03/2010
Reeditado em 16/02/2011
Código do texto: T2150153
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