Penetras em horas-dançantes
Itamaury Teles (*)
“Let me tell, my whole story
I had some time ago
She was a pretty little girl
She was my wife, I was so glad…”
Montes Claros, anos 70. Na vitrola, o conjunto Pholhas canta “She made me cry”, num bolachão de vinil. Certo rebuliço se instala na pista improvisada, em alguma sala de visitas, cujos móveis foram afastados para os cantos das paredes. Rapazes cabeludos, com camisas de tergal de gola alta e “blue-jeans” desbotados, procuram uma moça de minissaia para dançar.
A luz-negra confere clima propício aos beijos furtivos no escurinho da sala, mas, invasiva, aquela esquisita luz roxa expõe as peças íntimas brancas, além das caspas sobre os ombros e as obturações e pivôs nos dentes incisivos. Porém, na contrabalança de prós e contras, é presença indispensável...
O perfume Lancaster camufla um pouco a inhaca que emana daquelas vestes grossas americanas, impróprias para o nosso clima, mantidas sem levar por meses, porque é moda...
Na pista, jovens dançam coladinhos, sussurrando juras de amor eterno ao ouvido da namorada em potencial, agora ao som de Rita Lee, com voz miúda e quase inaudível, cantando “José”, sucesso que a Igreja não permitia aos Católicos ouvirem...
Eu acabara de chegar de Porteirinha fazia pouco tempo. Imberbe, tímido, mas ficava fascinado com aquele ambiente em que abundavam belas garotas. Acompanhado pelos conterrâneos Waldomiro Santos e Stênio Moraes, que para Montes Claros também vieram cursar o científico, transformava-me num verdadeiro cara-de-pau para entrar sem convites em festas alheias. Éramos tremendos penetras em horas-dançantes, chacrinhas, festas de 15 anos e outras que tais. Não perdíamos nada.
Pouco tempo depois, ao grupo de Porteirinha juntou-se o de Mato Verde, composto por Mauricinho, Joãozinho Mendes, Lindolfo e pelos irmãos Zézinho, Chiquinho e Joãozinho Teixeira. Era uma turma significativa. Todo sábado, reuníamos na porta da Pensão Montes Claros, ali na rua Dr. Santos, quando decidíamos aonde ir. Do Alto São João ao Morrinho, do Melo ao Cintra, passando pelo São José e Funcionários, nada ficava fora do nosso campo de atuação. E tudo a pé, pois nem bicicleta tínhamos.
Como marinheiros que deixam uma namorada em todos os portos, assim éramos nós pelos bairros da cidade. Mas, de vez em quando, passávamos por maus momentos, como numa hora-dançante em pleno Morrinho, em que fomos gentilmente “convidados” para “limpar o beco”, sob pena de enfrentarmos uma turma da pesada, insatisfeita com a nossa presença. Como éramos da paz, não pagamos pra ver. Partimos em retirada...
Hoje, vetustos e circunspectos cidadãos, temos muitas estórias pra contar daqueles bons tempos. Hilárias e até vexaminosas estórias. Como uma que aconteceu comigo, no final da década de 1970. Eu terminava o curso de Administração, na UFMG, quando comecei a namorar uma jovem montes-clarense, que conhecera havia pouco tempo. Por isso, passei a vir com mais freqüência a Montes Claros, para vê-la.
Um dia, perguntou-me se eu gostaria de ver suas fotos. Disse-lhe que gostaria muito, é claro. Em poucos minutos, ela aparece sobraçando seu belo álbum de debutantes. Entre uma foto e outra, fixo-me numa em especial, sem querer acreditar no que via. É que eu lá estava, como penetra, na festa da minha futura namorada. E flagrado numa atitude que me ruborizou, quase dez anos depois. Aparecia de olho numa bandeja que o garçom transportava no alto, com o braço esticado, certamente para sair fora daqueles indesejáveis penetras que invadiram a festa...
Ela nem sequer acreditou no que eu revelara. Mas que era eu, indubitavelmente, era.
São os efeitos dos arroubos juvenis...