São Jorge fugiu?
Passei muitos anos ouvindo que São Jorge morava na Lua e daqui dava para vê-lo com seu cavalo branco, lança e tudo que tinha direito. Havia algo errado com minha maneira de ver, pois só enxergava lá uma cara risonha, de bochechas bem salientes.
Da janela notava quando era Lua Cheia e lá ia eu olhar a procura do santo que insistia em não aparecer. Dava mais um tempo achando que a Lua girava e depois ele apareceria. E nada. Cogitei pegar a luneta de meu irmão mais velho, furtivamente, porque permissão ao certo não teria. Eu quebrava tudo! Não tive coragem, pois quebrava mesmo.
Não sei quanto tempo levei nessa investigação até que um dia desisti e falei para minha mãe que não conseguia ver o santo na Lua. Ela não se aprofundou nem um pouco na questão, apenas afirmou: ”Vai ver que ele fugiu”.
A mãe é uma figura marcante na vida de cada um e algumas se especializam em simplicidade. A minha era uma dessas. Nunca a ouvi gritar que era hora de ir para escola, ou você tem quem ir. Ela simplesmente dizia: “Está chovendo. Você vai à escola assim mesmo?” Eu achava a pergunta tão cretina, pois é obvio que era para ir sempre, que nem respondia e tratava de ir. Quando via um baton na mão dela, eu ficava observando ela se pintar e a pergunta simples acabou vindo: ”Quer passar? Você acha que vai ficar bonita? Então passe.” Fiquei horrível e nunca mais me incomodei com o baton dela.
Nem com baton, nem com São Jorge na Lua. Meus sérios, filosóficos e profundos problemas eram resolvidos com uma atitude prática que hoje não vejo mais.
Continuo não enxergando a figura que outras pessoas vêem, mas tenho minhas dúvidas que o santo ainda esteja lá, depois da descida dos astronautas e tanta espionagem ao redor. Quem sabe tenha fugido para o lado oculto e escuro. Quem sabe foi morar em outro astro. Quem sabe a cara risonha não seja exatamente a cara dele, num momento de alegria e flagrado sem capacete. Quem sabe?