Salários de Brasília
Muita gente repete inconscientemente o velho chavão criado pela mídia que confunde a cidade de Brasília com políticos, governo e corrupção. E vice-versa.
Compreensível. É cômodo encurtar, abreviar, juntar toda a farinha no mesmo pequeno saco e entregar o pacote pro freguês.
Mas, como bem notou o nosso colega recantista, o José Cláudio, ninguém nos EUA diz: "Washington fez isso e aquilo". Ou na Inglaterra: "Londres decidiu aquilo e isso". Ou na França: "Paris baixou um decreto etc."
A Danusa Almeida, outra colega recantista, escreveu um comentário a uma de minhas crônicas, em que expressa uma opinião com a qual concordo, ressaltando as injustiças e distorções que acontecem em todos os mais variados segmentos em que a decisão política tem influência. Mas no final, faz uma referência a Brasília -- mais especificamente aos salários de Brasília -- que reflete a imagem que se tem da cidade no imaginário de todos os brasileiros. Exceto dos que vivem aqui, naturalmente.
E essa imagem é a de que aqui todo mundo está ligado à política, ao governo ou a algum órgão público, ganha salários altíssimos em comparação com o resto do país e tem incontáveis mordomias.
Sei que a Danusa não o fez com intenção de magoar os brasilienses.
Reproduzo abaixo o comentário da colega:
"17/03/2010 09h24 - Danusalmeida
É verdade...educação é fundamental: de qualidade, com exigência e com seriedade, motivando os aprendizes a se dedicarem aos estudos e adquirirem maiores conhecimentos e também dando condições a práticá-los. Na realidade, acho que há muita oportunidade para os preparados, mas há também o lado triste de injustiças, desigualdades, desonestidade, muita política suja reinante neste país. (os salários de servente, motorista e outros cargos menores ou maiores, por indicações, em Brasília...já viram? Não é revoltante?)"
Revoltante, sim, mas... salários de Brasília?
Aqui tem salário de todas as classes, da mordomia total radiante ao miserê mixaria degradante e vice-versa. Do justo ao injusto, pra cima e pra baixo. Não é muito diferente de São Paulo ou Rio ou BH, por exemplo. E a expressiva maioria dos milhões de pessoas que vivem aqui, recebe salários -- ou no caso dos profissionais liberais e comerciantes, tem ganhos -- que estão mais pra mixaria do que pra mordomia. Como em qualquer outra cidade. E, pasmem, há muitos funcionários públicos que recebem mixaria e ralam à beça!
Eu sei que a Danusa sabe, muita gente sabe, que Brasília não tem só político e funcionário público: tem cidadãos os mais variados, das mais variadas profissões e ocupações, públicas ou privadas, como em qualquer outra cidade de média a grande e enorme extra-large. Dos garis e dos caras que cuidam da água e da luz pra todo mundo, aos mais ricos empresários e aos profissionais liberais que prestam serviços de primeira qualidade, há de tudo aqui.
Na verdade, só ficamos sabendo do que ocorre no mundo da política e da administração federal através da mídia, como o resto do Brasil. Nem lembramos que eles existem, a não ser que leiamos ou ouçamos ou cliquemos um jornal ou revista ou algo do gênero. Ou que tenhamos algum cargo que nos dê acesso a informações privilegiadas. O que não é o meu caso, nem dos milhões de cidadãos comuns.
Brasília tem gente igual tem em qualquer lugar.
Os políticos e governantes e congêneres são em pequeno número em relação às pessoas que trabalham e vivem em outras vertentes fora da política e da administração pública.
Mais que uma crônica, na verdade este texto é uma súplica que faço à Danusa e a todo mundo.
Ponham-se no nosso lugar. Quem gostaria de viver numa cidade à qual só se referem pejorativamente e sempre se referindo ao poder? Ainda mais que sabemos que o poder é constituído de gente de todos os estados e das mais variadas cidades, que foi enviada pra cá. Muitos só vivem aqui circunstancialmente, nem mesmo são cidadãos brasilienses.
Sei que já escrevi sobre isso em outras crônicas. Mas estou cronicamente movida a desagravar a cidade de Brasília e seus habitantes comuns, ponderando o porquê de se pensar melhor antes de ofendê-los, ainda que inconscientemente e sem esta intenção, ao se referir à cidade usando o velho chavão.
Nós, cidadãos brasilienses, ficaríamos muito gratos. :)