A CONFEDERAÇÃO DOS TAPUIAS DO NORTE

Para o leitor desavisado, a palavra “tapuia” de forma mais temerosa que pejorativa, designa todas aquelas nações indígenas que não falam a língua geral brasileira, ou seja, o tupi ou “abá-nhe’enga”.

A língua geral era falada por todos, na maior parte do nosso país. Até os africanos escravizados a falavam para se comunicar com os brasileiros e até mesmo com os outros africanos, já que os portugueses os separavam de seus compatriotas e misturavam com aqueles de nações diferentes que falavam diversos idiomas. Isso fez do tupi a língua geral do Brasil, de brancos, índios, mestiços e negros.

Esses acontecimentos que serão narrados d’agora em diante se deram entre os Séculos XVII e XVIII, mais precisamente de 1654 a 1719.

Durante a Invasão Holandesa havia nações indígenas aliadas a esses invasores e nações aliadas aos portugueses.

Por causa da proibição da criação de gado no litoral piauiense, para dar lugar ao cultivo da lavoura de cana de açúcar, os fazendeiros foram se deslocando para o sul, invadindo as terras dos indígenas. Isso criava sérios atritos, primeiro por causa dos constantes ataques desses ao gado. Para os índios não havia o conceito de posse de terras, nem das plantas, nem de animais. A caça era permitida apenas para suprimento das necessidades do povo. Dessa forma os índios caçavam o gado das fazendas vizinhas.

A colonização do Piauí foi extremamente violenta, quiçá a mais violenta do país. Havia ódio entre brancos e índios e viceversa. A caça do gado pelos índios despertava ódio nos colonos e proporcionava terríveis conflitos de terra. Os colonos realizava verdadeiras incursões no território indígena para caçá-los e escravizá-los de forma brutal.

Os jesuítas por sua vez, de certa forma contribuíam para dissolver a organização das nações indígenas, trazendo índios para as suas Missões com o objetivo de “evangelizar” e ensinar-lhes a ler e escrever, trazendo para o gentio, ídolos absolutamente estranhos à sua cultura e religião e destruindo a sua autoestima. Isso também uma forma de violência.

No ano de 1654, depois da expulsão dos holandeses, aquelas nações que os apoiavam firmaram um acordo com os portugueses, mais tarde ignorado quando o governador da Paraíba, João Fernandes Vieira aprisionou dois filhos do cacique da nação Janduí, enviando-os para Lisboa.

Antonio da Cunha de Souto Maior, mestre de campo, fidalgo, cavaleiro, dono da fazenda Caraíbas, próxima à cidade de Oeiras, primeira capital do estado do Piauí, era conhecido pelas suas atrocidades contra os índios. Escravizava índios e ao mesmo tempo os maltratava. Violentava as mulheres e as executava a machadadas.

Num desses conflitos, um pequeno “kunumi” cujos pais foram mortos numa das guerras entre brancos e índios, fora capturado da nação Aranhi e levado para ser evangelizado pelos missionários jesuítas no aldeamento de índios Kariri (Kiriri) de Boqueirão, na Paraíba, onde fora “batizado” como Manuel (Mandu, como era conhecido entre os índios). Era um menino esperto, por isso recebeu a alcunha de Ladino (pela sua experteza), que nutria imenso ódio dos brancos por sentir o desprezo desses pela sua cultura e pelo seu povo.

Conseguiu fugir desse aldeamento e seguiu juntamente com um grupo de índios de Boqueirão com destino à sua terra natal, no Piauí e lá conseguiu arregimentar várias nações antes inimigas entre si para atacar o colonizador que era o inimigo comum que sabotava as terras indígenas. A esse grupo de nações indígenas, deu-se o nome de Confederação dos Tapuias do Norte. Era composto por índios das nações Aranhi, Amoipira, Kariri, Janduy, Poti, Crateú, Anapurú, Tremembé e muitas outras nações dos estados do Ceará, Maranhão, Piauí e noroeste da Bahia que chefiados por Mandu Ladino conseguiram aterrorizar esses estados durante anos.

Mandu conhecia cada palmo de terra da sua região. Isso o ajudava ainda mais nas suas incursões pelo interior do Piauí, aterrorizando as povoações de invasores brancos. Com esse conhecimento, ele pode resgatar armas e travar uma luta em pé de igualdade com os invasores. Nessas incursões atacaram cidades como Aquiraz, Acaraú, Parnaíba e invadiram a Missão de Ibiapaba (Missão de São Francisco Xavier) se apoderando de toda munição e armas dos brancos que lá se refugiaram.

Conseguiu travar uma batalha com Antônio da Cunha de Souto Maior, na qual os seus escravos índios se aliaram às tropas de Mandú Ladino, eliminando-o juntamente com a sua mulher em 1712.

Muitos e cruentos foram os embates entre índios e colonos até que, em 1719, numa batalha às margens do rio Igaraçu, um dos afluentes do Parnaíba, num local denominado Porto das Barcas, o nosso herói, Mandu Ladino, foi morto por um tiro mortal desfechado por um soldado, João Peres, pertencente às tropas comandadas por Manoel de Carvalho, ao tentar atravessar esse rio a nado.

Embora a população do Piauí devido à violenta miscigenação preconizada pelos colonos, seja composta na sua grande maioria de indiodescendentes, todos os índios foram exterminados pelo ódio desses conquistadores brancos. O Piauí é o único estado do Brasil que não possui população indígena pura.