"AMANHÃ, VOCÊ NÃO PRECISA MAIS VIR..."
A sala do café estava cheia. Todo mundo batendo papo, aproveitando os últimos minutinhos do recreio. A secretária foi entrando, olhou pra mim e anunciou:
_ Amanhã, se você quiser não precisa mais vir trabalhar! Saiu seu afastamento preliminar...
Silêncio na assembleia, os olhares sobre mim. Eu ali, estática, com cara de quem não estava entendendo nada. Como assim, não vir trabalhar amanhã? Não, ninguém está preparado para não vir mais trabalhar amanhã... O quê que é isso? Anos de rotina e depois...no dia seguinte, em casa?
Passado o primeiro impacto, “caiu a ficha”. A minha e a da plateia. E foi aquela festa... Houve abraços, lágrimas, piadinhas, riso, uma euforia total por causa do meu “afastamento preliminar”. Cheguei a pensar “Ué, será que esse povo quer ficar livre de mim, assim?” Mas não é isso. É que quando “estamos pra sair” a questão passa a ser de todos. Na verdade há um acompanhamento constante: “E aí, novidades?” “Pra quando é?” “Já sabe quando?” O processo passa a ser um pouquinho de cada um... E a fazer parte da vida de todos...
Impressionada! Fico impressionada de como as pessoas sonham com esse momento de “se afastar” do trabalho. Eu, não! Meu Deus, sou diferente, preciso de um bom tratamento... Enquanto querem sair, eu quero ficar. Fico triste com a notícia, fico triste com os aplausos, fico triste com a euforia, fico triste por não sentir a alegria que esperam que eu sinta... Será que sou normal?
Mas me digam, como é que alguém sai de casa todos os dias, durante anos e anos, para fazer o que mais gosta, e depois dizem: “amanhã, você não precisa mais vir...” e você dá pulos de alegria? Muita gente, não só dá pulos, mas “pulões”, faz festa, jura que nunca mais passa na porta de uma escola (e cumpre a promessa!), e pasmem, até jura pôr fogo na papelada no meio da rua pra comemorar... Com todo respeito, que coroamento para a bela profissão que escolheu! Eu, hein... Penso nos alunos que passaram por essas mãos...
Mas, opiniões à parte, eu já disse que não aceito! Nada me fará “não vir amanhã!”. Lá estarei, firme e forte, no lugar em que sempre gostei de estar. Lugar em que sempre cheguei com o coração em festa, aguardando as surpresas de cada dia. Dias que nunca deixei parecerem comuns, que nunca permiti serem iguais. Sai Marina, fica “Mara”, a contadora de histórias. Isso já estava decidido, desde o dia em que me avisaram sobre o tal “afastamento preliminar”. Não! Eu me recuso terminantemente a me afastar da minha vida! E depois, lá tem muita gente precisando de mim... para aprender as primeiras letras, segurar o lápis, começar a contar...1,2,3... Respiro fundo... Estou apenas começando...