Corpo de artezã

Quando pinto e bordo, ou faço artes, percebo com meu corpo:

O tempo:

Não sinto passar o tempo.

Um tempo sem pressa.

Lembranças:

Meu corpo me lembra o da vovó Sinhá, meu rosto é o rosto dela.

Meus pensamentos os dela. Penso muito no meu povo, na minha família, sou ela bordando e devaneando.

"O avesso (do bordado) tem que ser limpo como o direito" _ Vovó dizia.

Posição e gestos:

1 _ Quando bordo preciso do corpo escarranchado, solto, relaxado; minhas pernas se abrem, os pés se apoaim no chão.

2 _ As mãos dançam __________ a direita de um jeito, a esquerda de outro. Os olhos olham as mãos, usando não o enfocar uma ou outra, mas o olhar amplo e periférico da meditação.

3 _ Mexo com músculos finos que nunca mexo. Dá dor nestes músculos depois, e a dor me ajuda a reconhecê-los.

4 _ Tenho vontade de fazer o que faço.

5 _ Babo o fio pra enfiar na agulha.

6 _ Agora, neste momento meu rosto artezão é o meu rosto, solto, relaxado. (Hoje mais cedo no trânsito entre minha mãe e minha irmã, meu rosto estava endurecido).

Memória:

A memória está no presente e retrocede. Lembranças muito antigas da casa de minha avó. E uma memória prospectiva: _ fazer o que ando fazendo pintar, desenhar, bordar, fazer artes _ me projeta num tempo do espanto _ como posso fazer o que não sabia que podia?