Zorba, o grego



                                                          Depois de minha caminhada diária às 6,00h da manhã, pelas ruas da cidade, totalizando um percurso de três quilômetros e meio, em 50 minutos, dirijo-me ao bar do meu amigo Roney, pescador emérito da região.                                                            Deixo-me ficar na lanchonete por uns 45 minutos, saboreando um cafezinho pingado, com direito a várias repetições gratuitas ( café com um pingo de leite) e, naturalmente, jogando conversa fora com mais três amigos: o poeta Carlos Rubens, o comerciante Dedé e o médico Lamarca. Não poderia estar melhor cercado: um poeta para elevar o meu espírito; um comerciante, para me recordar que não vivo no céu e que, portanto, devo estar atento. Um olho no padre e outro na missa. E, finalmente, o médico do corpo, me salvando das viroses, que resolveram me atacar ultimamente.
                                         A conversa gira em torno das últimas da cidade e, claro, vou dando meus “ pitacos” sobre economia, política e, finalmente, sobre o velho futebol. Nada que altere a rotação da terra e muito menos a translação. Se bem, estou muito desconfiado, que a alta concentração de ignorância mundial, com a explosiva mistura de seres bem perturbados, deve de alguma forma afetar o clima do planeta, senão o físico, o psicológico, sem dúvida, anda muito alterado. Digo isso, porque nossas conversas terminam sempre sobre estes crimes malucos que andam acontecendo com uma freqüência que não era comum no passado recente. Mas o papo de hoje até que foi mais ameno e acabou alguém lembrando de um restaurante grego em São Paulo, que havia passado no teste dos fiscais da saúde pública.
                                            Imediatamente , minha memória acusou uma de minhas poucas frustações, o de nunca ter participado de um almoço grego, onde no final a turma toda sai quebrando os pratos. É prato pra toda direção, ficando o chão coalhado de cacos.
                                           Cheguei em casa já examinando um lugar discreto, no porão, onde eu poderia satisfazer esse meu desejo, reprimido há tanto tempo. Vou me preparar direitinho para esse grande evento, nunca sem antes comprar um cd que tenha a música Zorba, o grego.
                                           Essa música mexe com o meu emocional, mas de uma maneira gostosa, é uma sensação de que eu “cresço no jogo”, cada vez que arremesso um prato ao chão. Recordam-se, amigos, daquele desenho do Netuno, barbudo, com seu inseparável tridente, por trás das nuvens? Aquela caraça poderosa? Fazia tremer a terra toda, assim como está acontecendo nos nossos dias. É mais ou menos isso o que a música do Zorba faz comigo!
                                         No entanto, logo a minha consciência me segura e me provoca uma reflexão bem humilde, não me deixando evoluir nesse compasso satânico de todo poderoso. Foi sempre assim e logo me recolho.
                                         Essas elocubrações acabam me levando a um outro grego, o grande Epicuro, que viveu feliz, rodeado de amigos, nos ensinando a simplicidade e a arte de viver. Podemos viver de pão e água, se quisermos. Na verdade, a vida exige pouco de nós, dizia. E, notável, nos ensinou a não temer a morte. De acordo com seu raciocínio, a morte seria apenas a dissolução dos átomos que constitui o corpo e a alma. Assim, a morte não existe enquanto o homem vive e o homem não existe mais quando sobrevém a morte. Bem acaciano, mas uma verdade incontestável. Quanto ao prazer, há que saber selecioná-los e dosá-los, esta a verdadeira sabedoria. Fazia da contemplação intelectual e das delícias da amizade os mais elevados prazeres, nos deixando para sempre a lição de que o homem pode se sustentar de recordações e de esperanças.
                                       Estou nessa. E aplaudo o nosso Chico Anísio, que em entrevista recente, respeitando as concepções religiosas, digo eu, falando sobre a morte, sentenciou que é melhor “ acreditar numa vida única, sem surpresas depois da morte”. Mas, me desculpem, retorno à minha pequenina frustração, avalio este prazer de quebrar os pratos e concluo que ele pode ser selecionado e vou mesmo executar este desejo, com alguma contenção, vá lá, como quer Epicuro. Mas, “pelo amor do guarda”, não abrirei mão dos passos saltitantes, com os braços lateralmente bem estendidos, pois é nessa coreografia que me vem a sensação de poder!
                                             Pensei em convidar algumas pessoas para o espetáculo, porém, desisto a tempo, só em imaginar que algum desses convivas, nunca se sabe, distorça esse meu pequenino prazer e pense que eu seja o próprio Posseidon e esteja fundando mais uma seita no mundo. Desconjuro, mil vezes!