"PRIMO RICO OU PRIMO POBRE?"
Meados dos anos oitenta e minha vida seguia pelo rumo mais que comum às meninas daquela época.
Recém terminada a faculdade, decerto o maior dos meu sonhos, e eu já partia para os preparativos do meu casamento.
Uma fase deveras inesquecível porque, naquela época, toda mulher sonhava com um vestido branco e com as pompas nupciais oferecidas pela celebração religiosa.
Eu morava aqui em São Paulo, numa zona fronteiriça entre o bairro de Pinheiros e Jardins, embora pertencesse a uma simples e pequena família de classe média.
E eu sonhava o que julgava me ser de direito, escolher a igreja dos meus sonhos para de lá rumar para os outros sonhos da nova vida que me esperava.
E quando somos jovens, nossos sonhos nunca têm "classe", e de toda sorte são "classificados" com os olhos ingênuos das fantasias.
Assim sonhando eu me dirigi à Igreja dos meus sonhos, que por questão milimétrica de ruas, era uma das paróquias que não pertencia ao meu bairro. Alguns procedimentos burocráticos e soube que tal fato não me impediria de ali jurar meu matrimônio.
Fiquei feliz, pois deduzi que "ser da Igreja" me bastaria para ter o "direito canônico" de escolher a dos meus sonhos, apesar da rígida cartografia "social" e religiosa do bairro .
Na data marcada ali já haveria três casamentos e eu seria a quarta noiva a dividir os custos do que já estava decidido para a pomposa cerimônia, os tapetes, as flores, a decoração, o coral, as músicas,até os cadetes! inclusive a Homilia.
Tudo parecia justo e imparcial até que no dia do fechamento do "negócio" um enrosco burocrático anunciado pelo padre me fez mudar de vontade irrevogavelmente, porque a ninguém pertence o direito de desafiar a lógica e lesar a sensibilidade de outrem. Agradeci e fui embora.
Horas depois que sai dali, meu casamento estava marcado para o mesmo dia e hora, duma outra igreja pouco adiante de lá.
Casei-me , o tempo passou e a vida me clareou a visão de mundo.
Ontem, aguardando para ser atendida num banco, fiquei ali a observar o fluxo dos acontecimentos, pois como em todo banco, em analogia ao que descrevi, também existe dois tipos de atendimentos: ao cidadão comum e ao "extraordinário" cidadão...entenda-se: atendimentos que diferenciam os clientes que são todos iguais, daqueles que são distintamente mais iguais ainda!
Ali uma elegante sala hermeticamente fechada aguardava pelos seus clientes VIPs, muito diferente da antesala dos mais iguais, e foi assim que meu pensamento voou instantaneamente até a presente crônica.
A sociedade, à pseudo luz da razão, diz que luta pelas igualdades, e abomina qualquer preconceito. Tal tema é notório em qualquer palanque das ruas da vida.
Pois bem,como seria bom se tal assertiva fosse verdadeira.
Num mundo de tantos desiguais nada mais justo que a igualdade começasse dentro das igrejas, ao menos. E uma igualdade que não fosse apenas pregação religiosa.
Porém, há distintas realidades nas instituições e nas dinâmicas sociais, que não se permitem certas "contaminações": Há a Igreja do rico e a igreja do pobre, triste certeza da qual não tenho mais dúvidas.
E paralelamente ao fato, como não haver o hospital, o médico, o remédio, o shopping, a loja, a grife, a escola, a universidade, o supermercado, o hotel, a viagem, o cabeleireiro, o perfume, a comida, o carro, o bairro ...enfim uma sucessão de instituições sectárias?
E foi pensando nisso que cheguei à gênese dos governos que sempre se dizem "dos pobres".
Quanto aos governos que se declaram "dos pobres" um ato político- social me chama a atenção " discursam aos pobres mas servem aos "ricos", e também desses últimos se servem!".
Sempre foi e sempre assim será, posto que sem diferenças jamais existiria governos.
Portanto mais uma vez uma igualdade de "pregação" pra lá de fantasiosa.
O fato é que estamos num mundo desumanamente desigual, no qual em nome da falsa promoção das " igualdades" cada vez mais se perpetua as extremas diferenças entre os já tão escassos iguais pelos cada vez mais "diferentes".
Sequer a pobreza é igualitária num mundo tão sectário!
O evento do meu casamento era apenas o prólogo da vida, cujas diferenças se transformariam em letras no decorrer das páginas históricas do nosso tempo, grande inventor e escritor de crônicas.
Quiçá um dia, possamos o mundo igualar ao menos as consciências.
Seria um promissor recomeço.