The Teen Spirit

Pegou e abriu a caixinha, como uma daquelas que logo fosse sair uma surpresa. Ali se encontrava uma porção de pequenas folhas de aparência escura e secas, prontas para serem acesas, para tomarem por brasa enroladas em papeis finos. O nome? Maconha.

Estendera um pano muito limpo e branco ao chão, para que a morte também fosse limpa e não manchasse o assoalho de madeira com o vermelho da cor do pecado original que lhes escorreria de veias e vesículas. Tudo se encontrava escurecido, como uma filmagem, um foto filme em degradê mais ameno, que fugisse de tons pasteis.

Lembrou-se da infância, seus cabelos louros reluzindo ao sol, a primeira guitarra, o velho violão que ganhara ...a adolescência.

Lembrou-se de uma memória fugaz, que apesar de vira-lata, aparecia em sua mente como centelhas de um trovão: viu-se refletido pelo espelho, os cabelos curtos, o vento que entrava pela porta a fora, sangue respingado no vidro de tal maneira que borrava seu reflexo, o espelho trincado.

Lembrou-se da mulher que lhe fazia sentir-se bem, que lhe arranhava as costas com as unhas grandes, a mulher que amava.

Lembrou-se dos companheiros da banda, do sucesso inesperado, as luzes do palco, a euforia do público. E de que o que mais gostava trouxe um desgosto por transformar-se em algo mais do que entediante.

Desafogou-se dos pensamentos, lembrou das mechas da madeixa da filha pequena, do perfumezinho de sua pele, da natureza e do cricrilar dos grilos. Tentou não mais voltar a estas recaídas, bebeu logo sua cerveja predileta, entreabriu a boca no momento em que aspirou o pó da cocaína, que talvez fosse uma espécie de anestésico para amenizar os sofrimentos da próxima página de sua vida.

Puxara uma caneta, escrevera uma carta em garranchos tuberculosos por seus rabiscos. Falava de como o sucesso lhe fazia mal, falava que desta forma a música perdia todo o sentido e se perdia todo o sentido perdia também o ar da sua graça.

E atirou.

Oito minutos atrás pensara nos amigos, na luta pela liberdade de expressão e concluíra que era melhor ter um dia de leão do que cem anos de cordeiro, como diziam terceiros.

Quem falou mais alto fora o rifle. Foi ai que as balas desfiguraram o seu rosto: parte que o eletricista que compareceria por aquela sala uma semana mais tarde descobriria, assim como a figura de seu corpo em frangalhos, o sangue que respingara pela carteira, que fora mantida aberta na hora do ato, para que a identificação fosse mais fácil.

A perícia encontraria ali, em um jarro, o bilhete espetado com a caneta, “Para Boddah”, no qual concluía que era “preferível queimar do que apagar aos poucos”.

O nome que se podia ler na carteira aberta?

- Kurt Cobain – Disse o legista.