O adivinho e o bêbado
Itamaury Teles
Estava o adivinho se apresentando na feira de Porteirinha, com seu auxiliar de trabalho. No meio de uma grande roda de curiosos, utilizava-se de um roufenho aparelho de alto-falante a bateria, com um microfone envolto em uma flanela vermelha, acoplado a um arame que envolvia seu pescoço. Dizia possuir faculdades divinatórias, desvendando o que estivesse oculto ou predizendo o futuro.
Usava um turbante, no qual havia incrustado um falso brilhante na altura da testa, como se fora um terceiro olho. O povo se aglomerava em torno daquela figura mística, esperando ansioso para assistir ao show que anunciava, enquanto vendia bugigangas e o potente “solimão”, um líquido esverdeado, de origem amazônica, que permitia a qualquer um pegar cascavel com a mão...
Em muitos lugares, essas pessoas são consideradas feiticeiras ou bruxas, razão pela qual infundem respeito e credibilidade e até mesmo certo temor reverencial, embora sejam, na maioria das vezes, enganadores da raia miúda, da gente humilde e desinformada, por esse Brasil afora...
Todavia, de vez em quando surge, durante as apresentações, algum gaiato que começa a colocar reparo, a duvidar daquelas adivinhações.
E foi o que aconteceu em Porteirinha. Enquanto o adivinho estava lá todo senhor de si, com os olhos vendados, acertando todas as perguntas feitas pelo seu auxiliar, um bêbado começou a atazaná-lo:
- Você é um charlatão. hic...hic... Um charlatão é o que você é...
O adivinho continuou o seu trabalho, sem dar ouvidos ao que dissera o bêbado. E o seu auxiliar continuou a fazer as perguntas em alto e bom tom:
- O currião que está na minha mão é desse senhor aqui?
- Não, não é dele – respondia o adivinho.
- É desse daqui, de chapéu de couro?
- Também, não.
- Seria deste menino que não lava os pés faz uma semana?
- É dele, sim...
E o povo aplaudia aquela encenação.
Ao final das palmas, nova interferência do bebum:
- Vocês são um bando de enganadores. Vocês são charlatões... Char – la – tões... hic, hic...
Já impaciente com aqueles apartes indesejados, o adivinho virou-se para o bêbado e propôs uma trégua:
- Tudo bem que o senhor não acredita, meu senhor. Mas me dê uma chance de provar o contrário. Posso adivinhar onde seu pai está neste exato momento. Quer ver?
O bêbado não pensou duas vezes e topou:
- Taí... se você adivinhar, eu retiro tudo o que disse...hic...hic...
E o adivinho fecha os olhos, abaixa a cabeça, coloca os dedos polegar e indicador na base do nariz e, em poucos segundos, dá o veredicto:
- O seu pai está, agora, tomando uma cerveja, no Bar do Zema...
O bêbado, quase refeito da carraspana, com os olhos brilhando, retrucou:
- Errou!! Errou, seu charlatão! Meu pai morreu faz dois anos...
Foi aí que o adivinho, esperto como uma raposa, deu o golpe final, calando o bêbado e provocando o riso geral:
- Você se engana, meu caro. O que morreu foi o marido da sua mãe. Seu pai é o que está lá no Bar do Zema...