Jesus, ayahuasca e cartum

Ninguém vive sem espaço mítico, mas existem terrores dignos de reflexão. É angustiante compreender tal universo mediante a perspectiva de sangue, dor e crime. Ocorre, porém o desejo do homem em compreender tais meandros de acordo com os dados amplamente divulgados.

Tire-se então o cartunista, ponha-se em seu lugar o xamã. O líder espiritual. O homem com poderes mágicos além do limite compreensível. Adicione-se a promessa. Tem-se a vítima e o réu confesso de um líder espiritual chacinado por alguém atordoado pelo desejo de recuperação da saúde da sua nutriz (desespero de origem), desviada em mitos; além de si mesmo em risco de lucidez. O irmão precisava alcançar os códigos desse conhecimento.

O executor investe sobre a promessa de cura partindo do contato ritual até o consumo de ayahuasca. Mistura alucinógena para fins de autoconhecimento. Novamente tem ali o convite da cura. Quer se curar, quer restituir saúde a mãe enferma. É de se estranhar que o vinho consagrado seja também droga em condições lícitas, o cafezinho e até mesmo ayahuasca. Certa linha tênue para erva erradia que em escala de aceitação pouco serve como argumento diante das demais consagradas. Todas estão dispostas para alívio e buscam garantir a intenção de libertação sobre o sofrimento. Todavia a dupla implacável: Misto de Jesus com ayahuasca permanece notável na cena do crime, diante do xamã. Em todos estes elementos há o desespero da promessa. Se a droga ingerida oferta plenitude, cura, modela o imaginário, transmutando ser em planta, planta em Jesus, Jesus em salvação, haveria de caber a restituição da sanidade materna e dele próprio, atormentado. O xamã facilmente compreenderia e o levaria para declarar sua condição de ser poderoso, que cura, sendo Jesus, diante do xamã. No ato do crime surge o suicida que se rebela contra a força ludibriada da realidade, tornando-se homicida, sobre uma vingança da impotente promessa de transcendência. Diante da dura revelação da realidade inútil, mortal, ineficaz, desenhada como magia; desferindo tiros sobre o homem que guardava essa redenção apregoada e em meio ao desespero emocional.

Com a internação o pai lhe igualaria a condição materna, mas se possuía os poderes invocados... O xamã é então trucidado diante do fracasso do seu magismo em meio ao frio requisito da floresta primitiva. É o aniquilamento do iconoclasta irreconhecível no xamã quem o trai. Incaracterístico como o meio-termo incognoscível da esquizotimia. A morte criminosa oriunda do fracasso da condição fantástica. A normalidade executava pela via da experimentação da promessa.

“Sim, matei!” Adquirindo para a si a redenção como efeito da ayahuasca que nutria promissão. Verificaria no ato frio e calculista uma experimentação da condição próxima ao plano real e lógico. O conteúdo da representação sobre a dor fragmentada em segmentos de fantasia. O resplendor arruinado pela verdade nua e crua.

Repreensível. Inaceitável. Terrível e dolorosa mistura de fatalismo e alucinação de uma realidade profundamente doentia. Ação entre vários delírios coletivos por sobre a descrença da alucinação sacrificada. A morte de um gênio incontido entre a estranha obra da criação. Um filho morto como irmão descrente ao seu lado. Um desespero sem leitura antecipada. Submerso no mito a sombra do fatalismo.

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