O Ladrão Que Queria Ser Papai Noel

O bar do Garcia era um dos mais importantes do bairro. Famoso pelo ambiente familiar e pelo delicioso galeto na brasa; era bastante freqüentado.

Numa Quinta-feira, o Garcia dispensou os dois empregados e foi conferir se estava tudo certo, pra fechar o bar.

Foi até os fundos, empilhou as caixas de cerveja vazias, conferiu se as torneiras estavam desligadas, guardou os produtos perecíveis e foi para o balcão pra fazer a conta do faturamento do dia.

Ali por perto, Tomás, o maior vagabundo do bairro, andava pra lá e pra cá, pensando numa maneira de ganhar dinheiro, pois precisava comprar cachaça e cigarro.

Passou em frente ao bar do Garcia. Entrou.

__ Boa noite, Seu Garcia... Estou sem dinheiro agora, mas o senhor poderia me vender...

Garcia nem esperou que Tomás terminasse a frase.

__ Não venha com essas conversas, Tomás. Eu não seria louco de vender nada fiado pra você. Como você iria me pagar se não trabalha?

__ Quando eu fizesse um biscate eu pagaria ao senhor, é só uma doze.__ suplicou o vagabundo.

__ Nem pensar!!__ esbravejou Garcia__ eu confiei de vender aquele maço de cigarros à você no mês passado e até hoje você não me pagou!! Boa noite, e por favor retire-se do meu estabelecimento!!

Tomás saiu cabisbaixo e deu a última olhada para trás. Lá estava Garcia, próspero comerciante a contar seu dinheiro, enquanto ele, um pobre cachaceiro que não tinha nem 50 centavos para uma dose de cachaça.

Atravessou a rua e foi deitar um pouco no banco da praça, que estava vazia; aliás, as ruas estavam desertas naquele dia, devido ao frio e as ameaças de chuva para aquela noite.

Lá de longe ficou a observar o Garcia, contando alegremente cada centavo em cima do balcão.

“Mão de vaca!”, pensou ele, “Espanhol sovina! Não custava nada vender só uma doze pra mim, um pobre coitado.”

Depois de contar seus lucros, Garcia fez alguns cálculos num papel, guardou o dinheiro numa pequena bolsa de pano e colocou-a na primeira gaveta do armário onde guardava contas e notas fiscais do bar. No dia seguinte iria depositar a quantia no banco.

Pegou um pano, passou no balcão e limpou os vidros dos mostruários e frigoríficos. Logo depois fechou todas as portas do bar. Trancando-as à chave e com cadeados.

Benzeu-se, fazendo o sinal da cruz e foi andando para casa, que ficava numa rua próxima.

Tomás observou tudo de longe, principalmente o momento em que Garcia guardou aquele saco de dinheiro na gaveta.

“Uma fortuna!”, disse ele pra si mesmo, “Se eu arranjasse um jeito de entrar lá dentro...”

Olhou para o bar. Lá em cima, a fumaça ainda saia de duas das três chaminés dos fogões à brasa do bar do Garcia.

Seus olhos brilharam. Fingiu que dormia, esperando Garcia virar a esquina. Depois levantou pra colocar seu plano em ação.

Pulou o murinho da casa de Dona Júlia, que era do lado do bar. Passou por um beco estreito, entre a casa e o muro, indo parar nos fundos da quintal. Vendo que todas as luzes da casa estavam apagadas, Tomás foi andando na ponta dos pés até a área de lavar roupas, onde encontrou uma escada. Pegou com o maior cuidado possível para não fazer barulho. Voltou para o muro, novamente como uma bailarina.

Encostou a escada no muro que dava para os fundos do bar.

Tomás subiu cada degrau cautelosamente, até que chegou no topo do muro. Lá em cima, conseguiu subir na laje do bar.

Quase pulo de tanta alegria, mas teve que se conter. Mas a façanha ainda não estava concluída. Caminhou até as chaminés. Ainda saía uma fumaça rala de uma das chaminés, dando sinal de que ainda havia quentura ali. Colocou a mão na segunda, ainda saía um vapor bem quente. Foi até a terceira, sua única salvação. Que sorte! Estava fria; talvez não fôra usada naquele dia.

Mediu a largura da chaminé com as mão, e depois mediu a cintura.

“Essa é vantagem de ser magricelo!”, disse ele em pensamento, contendo um gargalhada.

Realmente Tomás era bem magro, tinha as canelas finas e os joelhos bem ossudos, dava para contar suas espinhas e vértebras. Também tinha o rosto chupado como um esqueleto e os pés inchados, de tanto beber cachaça.

Concentro-se e enfiou a primeira perna dentro da chaminé. Depois enfiou a outra. Com seus movimentos de cobra conseguiu descer alguns centímetros. Mas depois empacou no trajeto, não conseguia mais descer. Por mais esforço que fizesse não descia nem mais um centímetro.

Tomás ficou desesperado, mas tentou manter a calma. Então decidiu fazer o caminho inverso e subir novamente. Tentou fazer seus movimentos de cobra, mas não conseguia se locomover. Chegou a conclusão de que seus cálculos deram errado e estava entalado.

Respirou fundo, tentou se concentrar. Depois voltou a se contorcer mas não saía do lugar. Ficou ali durante muito tempo, mas não consegui nem subir e muito menos descer.

Começou a ficar desesperado. Deu o seu primeiro grito de socorro. Depois o segundo, o terceiro; e dali em diante Tomás ficou desesperado. Estava aflito, implorava por ajuda. Seus gritos rasgavam o silêncio daquela noite.

Logo em seguida os cachorros da vizinhança começaram a latir e a uivar.

As luzes das casas comeraçam a se acender, e curiosos olhavam pela janela para poder ver o que estava acontecendo.

__Meu Deus!!__ resmungou Dona Júlia, revirando-se na cama__ será que agora é proibido dormir?.

Tentou voltar ao sono. Ouviu os gritos de socorro, entre um latido e outro.

__ O que será que está acontecendo??

Levantou, colocou os óculos e foi até a sala. Abriu uma brechinha na janela e ficou a observar a rua. A praça estava deserta, várias pessoas estavam nos seus portões e janelas, tentando saber de onde vinham aqueles gritos desesperados.

Todos começaram a se aglomerar na praça. Tentando seguir os gritos.

Dona Júlia também saiu para procurar a alma aflita que clamava por socorro. Concentrou-se em ouvir os gritos; parecia que vinham do bar do Garcia.

“Será que algum cliente ficou trancado lá dentro?”, ela se perguntou.

__ Pessoal, os gritos estão vindo daqui do bar do Garcia!!__ gritou ela para os curiosos.

A multidão correu para a frente do bar.

Alguns tentavam acalmar o coitado:

__ Fique calmo, já foram chamar o Garcia.

__ Logo, logo você vai sair daí!

Outras estavam curiosas em saber quem era o tal homem trancado no bar.

__ Que é você?

__ Como você ficou trancado aí?

Mas Tomás não ouvia nada além dos seus próprios gritos; o desespero o deixou surdo.

A multidão abriu caminho, Garcia e sua esposa vinha ás pressas, com as chaves nas mão.

__ Quem será esse verme que invadiu meu bar?__ gritava Garcia, enquanto abria uma das portas do estabelecimento.

__ Cuidado, Garcia!__ disse sua esposa, enquanto ele entrava.

Garcia pegou uma vassoura que estava encostada na parede, para proteger-se de algum ataque inimigo.

A multidão aproximou-se da porta aberta, disputando um lugar na primeira fila. A esposa estava aflita, temendo que o marido sofresse alguma agressão.

Enquanto isso o valente Garcia andava pelo bar, procurando o ladrão que continuava pedindo ajuda. Procurou-o em todos o cantos, mas não o encontrou. Então pediu que todos fizessem silêncio, para que ele pudesse ouvir os gritos e ver de onde eles vinham.

Todos obedeceram à ordem. O silêncio tomou conta do ambiente. Só se ouvia os gritos da suposto ladrão.

Garcia concluiu que os gritos vinham do fogão a lenha. Foi andando cautelosamente até lá; enfiou a cabeça lá dentro e olhou para cima. Viu os pés do invasor, sujos de preto, devido à sujeira da fumaça instalada nas paredes da chaminé.

__ Quem é você?__ gritou Garcia.

O ladrão continuou gritando.

Enfurecido, Garcia cutucou os pés do invasor com a vassoura.

__ Quem está aí?

Tomás percebeu que a ajuda chegara. Deu graças à Deus.

__ Sou eu, o Tomás!

Toda a multidão arregalou os olhos e começou a cochichar entre si. A esposa de Garcia se aproximou do fogão.

__ Então é você desgraçado!!!__ bradou Garcia__ Deixe que eu te puxo pelo pé, infeliz!!

Garcia enfiou a mão na chaminé e deu um puxão na perna de Tomás, que gritou de dor.

__ Se acalme Garcia!!__ disse a esposa, segurando o braço do marido.

__ Ligue para a polícia, Vera, antes que eu arranque a perna dele com as mãos.

Garcia sentou num banco, tentando se acalmar, enquanto Vera ligava para a polícia.

Vinte minutos depois, a polícia chegou. Depois de conversar com o dono do bar, decidiram que teriam de quebrar o fogão para retirar Tomás de lá.

Deram várias marretadas, até que conseguiram resgatar o ladrão fracassado. Um policial segurou Tomás, para que ele não fugisse. Garcia tentou dar um murro no invasor, mas foi contido por outro policial.

__ Desgraçado!!__ berrava ele__ Ladrão!!

__ Me desculpe, Seu Garcia... Eu estava precisando de dinheiro...

__ Vá trabalhar, vagabundo, cachaceiro!!

__ Podemos levá-lo para a delegacia? Perguntou um dos policiais.

__ Claro, para pior cela que existir por lá!!__ gritou Garcia.

__ O policial levou Tomás para o carro, enquanto os outro dois ficaram no bar, para conversarem com Garcia sobre o boletim de ocorrência.

__ Um momento, Senhor policial__ disse Vera, a discreta esposa de Garcia, puxando o marido para um canto.__ Garcia, não é justo o que está fazendo com o coitado do Tomás!

__ Coitado, nada! Aquele infeliz ia roubar o meu dinheiro. Vagabundo. Por que não procura um trabalho?

__ Ele errou, querido, mas não chegou a cometer o crime. Perdoe ele.

__ Nunca!! Perdoar o homem que ia me roubar? Jamais!

__ Querido, seja mais flexível. Tomás é um pobre alcoólatra; não tem ninguém por ele. Seria uma injustiça mandá-lo para a prisão, enquanto há tantas pessoas que já possuem tanto e não se preocupam em roubar mais e mais dos outros.

Depois de muita conversa, Vera conseguiu convencer o marido a perdoar Tomás e retirar a queixa da polícia.

__ Senhor policial, retire minha queixa, não precisam prendê-lo__ disse Vera.

O policial olhou para Garcia, que concordou com a cabeça.

__ Mas ele cometeu um crime!!__ disse o policial.

__ Mas decidimos que vamos perdoá-lo__ disse Garcia, firmemente__ Agora solte-o, por favor.

__ Vai querer que soltemos o homem que ia te roubar?__ falou o outro policial, tentando convencê-lo a não retirar a queixa.

__ Como o Senhor bem disse, o dinheiro é meu. Então se eu estou perdoando aquele pobre infeliz, ninguém pode interferir. Agora por favor, solte ele; todos nós temos de dormir. Amanhã todos aqui trabalham, então não vamos embromar, solte o Tomás!

Os dois policiais, meio confusos foram até o terceiro, que estava no carro e cochicharam com ele. Ele então abriu a porta da viatura e libertou Tomás, para alívio dos curiosos, que estavam emocionados com a tristeza do pobre ladrão, que quase chorava dentro da carro.

Ao ver Tomás saindo do carro da polícia, a multidão deu vários gritos de alegria, e deram vivas à Garcia.

Depois de alguns dias, Vera, a intercessora, conseguiu que o marido desse um emprego à Tomás. Ele limpava o bar e organizava o depósito de mercadorias, que ficava nos fundos.

Redimido, Tomás tornou-se um homem de respeito e até passou a freqüentar reuniões para alcoólatras.

Tudo o que Tomás precisava era de uma chance, e um voto de confiança. Com o emprego, ele começou a se sentir útil, e nem tinha tanto tempo para ficar bebendo. Tudo isso se deve a Vera, que com suas ações discretas conseguiu salvar Tomás e acabou dando ao marido o título de justo comerciante.

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Igor P Gonçalves
Enviado por Igor P Gonçalves em 18/03/2010
Reeditado em 19/03/2010
Código do texto: T2145422
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