JUQUINHA.
Ali, naquele imenso casarão de esquina, onde figurava uma casa comercial de grande frequência popular, sempre sentado no seu banquinho predileto e quase escondido atrás da caixa registradora, estava um senhor baixo, gordinho, de expressão sisuda, sem muita conversa, mas que era perito em negócios e que tinha fama de sovina, porquanto acumulou certa riqueza material, mas que não lhe servia para muita coisa, pois era uma pessoa daquelas que pensava que o dinheiro era para ser guardado e não para ser gasto. Assim, conservava como novo, um caminhão da época do Getúlio; um mercedez de cara focinheira, que lhe servia para conduzi-lo quase que diariamente ao seu imóvel rural (chácara) localizada lá por perto dos Baianos, na saída para Ponta Porã.
O homem era tão sovina que negava uma manga para seus parentes. Eu, por exemplo, garoto pobre que vivia pelas redondezas, ficava extasiado ao olhar seu vasto quintal que não conhecia de perto (porque nunca fui convidado). E olha que era parente bem próximo, pois minha avó era irmã do dito cujo. Ocorre que a exuberância das frutas me chegava aos olhos, por cima de um muro alto, que não era capaz de esconder com presteza toda aquela exuberante natureza, pois os pomares e as árvores frutíferas se exibiam por cima daquelas cercas indiscretas. Era uma tentação indireta. Assim, sobrava-me apenas a ousadia de menino, pois em muitas oportunidades arregimentava a gurizada para romper a muralha. E, lá em cima do muro,ia catar algumas mangas que se faziam recatadas que; lá no ar, ultrapassavam a linha divisória daquela morada. A investida não rendia grande coisa, pois além de corrermos o perigo da escalada, ainda havia o risco de levar uma chumbada, pois o velho sovina mantinha vigilância de mira, atirando chumbinhos de pressão na gurizada que ali subia.
Minha avó, coitada, era a única convidada. Afinal, era a irmã, mas até hoje não consegui definir o grau de consideração, posto que ali frequentava porque também trabalhava. Acho que era usada. Mas, isso não vem ao caso. O que interessa é que aquela sim era verdadeira. Não se fazia de rogada com a garotada. As mangas que ali eram vendidas; num bom percentual acabavam cedidas. Ela ficava com dó da garotada. Dizia ela que o 'homem' preferia que as mangas ficassem estocadas, que murchassem com o tempo, mas tinha de render a contento. O dinheiro atraia acima de qualquer serventia. Assim, alguma manga até apodrecia...
Não lembro de um dia ver aquele homem numa festa. Era fechado na sua masmorra do tempo. O único lugar que frequentava era sua chácara acima citada. Lá ia sozinho e voltava solitário. Não lembro sequer dele ter uma esposa. Acredito que sua companheira tenha morrido muito cedo. Até nisso aquele homem não teve sorte, pois foi lesionado por essa morte. Talvez seja uma explicação para tanta solidão. Mas não sei se isso é certo. Ocorre que minhas lembranças estão tão distantes e se tornam ofuscadas pela ausência afetiva naquela relação inconstante. Talvez tudo isso não passe de um recalque, transvestido de um menino saudosista, que vez por outra se vê aturdido com as coisas de criança, que insistem em ficar na lembrança.
Talvez seja só uma visão estrábica. Não cabe a ninguém julgar os outros. Principalmente quem já se foi para as coisas perenes. Não há dúvida de que era uma pessoa honesta. Alguém que servia (a seu jeito), vendendo as coisas que as pessoas necessitavam. Principalmente, panos, armarinhos, roupas e novidades no mundo doméstico. Era um comerciante de primeira linha. Sua loja era bem sortida. Atendia aos ricos e às pessoas sofridas. Pois, vendia o caro e barato. Pagava seu impostos e ajudava o Município. Nisso não tinha nada de esquisito. Pois querendo ou não era um comerciante de grande gabarito.
Era uma pessoa notória aí de Amambai; era apenas o Juquinha. Tino para o comércio - isso ele tinha. Se foi sovina ou negou as mangas. Isso não importa. O que vale mesmo é a sua imagem que se incorpora à nossa cidade. Afinal, sovina não era só ele que tinha. Havia Oracis e outros mais. São coisas que da lembrança não sai. Tudo vem à mente quando lembro de Amambai.
Adeus Juquinha. Você se foi como homem, mas ficou como lembrança, principalmente na mente deste homem ausente das coisas do presente. Estou aqui noutro canto. Mas nem por isso deixo de pensar em tudo. Das coisas que vivi distante. Nesse recanto do crepúsculo. Onde tudo assisti e tudo testemunhei. Assim como um dia sonhei...Assim também foi Juquinha: viveu, sonhou e morreu...